Já diz o dito popular: “Quando a esmola é demais, até o santo desconfia”. Se por um lado, o anúncio de redução de impostos sobre os carros novos deixou o consumidor com um sorriso de orelha a orelha, do outro, as revendas de veículos novos e usados – que não vem “bem das pernas” há um bom tempo, muito por conta das incertezas econômicas que pairam sobre o Brasil -, deixam transparecer certo ceticismo com a promessa do Governo Federal de estimular o setor de vendas em todo o Brasil, no que o Governo Lula tem chamado de “neoindustrialização”.
Para o gerente de uma revenda de veículos novos em Cascavel, que concordou atender a reportagem do O Paraná sem ser identificado, esse anúncio para retomada da comercialização de carros populares fez muita gente desistir da compra e aguardar novos desdobramentos do governo, previstos para ocorrer nos próximos 15 dias. “Provocou também a procura das pessoas para saber mais detalhes, entretanto, nem mesmo nós sabemos ainda como tudo isso vai desenrolar”, disse preocupado o gerente.
Impacto negativo
Nesses primeiros dias de anuncio por parte do governo federal, o impacto é negativo, na avaliação do gerente da revenda de veículos. “Estávamos com dois carros praticamente vendidos nessa semana, mas em função das medidas governamentais anunciadas, os consumidores desistiram sob a alegação que preferem esperar para comprar o carro com desconto no imposto”.
Esse reflexo imediato não é sentido apenas em relação aos carros “zero quilômetros” – ao todo, a proposta envolverá 33 modelos de 11 marcas de veículos com valor inferior a R$ 120 mil. “A venda de carros usados também sofrerá queda nos próximos dias, até o governo apresentar de maneira mais transparente como funcionará esse programa de incentivo à compra de veículos novos”.
A notícia gerou um fluxo “esquisito” nas revendas em busca de detalhes de como vai funcionar essa política de incentivo ao carro novo. Muitos já estão visitando as concessionárias e querendo usufruir do desconto, que irá de 1,5% a 10,96%.
Três pilares
O governo federal se baseia em três pilares para favorecer a redução dos impostos nos veículos novos. O social, para veículos com custo de até R$ 120 mil. O ecológico, para carros com menor impacto no meio ambiente e a nacionalização, em veículos concebidos em sua maioria por itens nacionalizados. “Quanto mais os veículos se enquadrarem a esses requisitos, maior será o desconto”.
Enquanto a medida fica no campo da expectativa, as revendas em todo o País estão praticamente perdidas. “Outra situação que irá ocorrer provavelmente é o fim dos bônus oferecidos pelas montadoras para compra dos carros, pois o preço já estará com um bom desconto”.
Realidade econômica é outra
Diferente do cenário econômico encontrado no governo anterior de Luiz Inácio Lula da Silva, quando adotou medidas similares para reduzir o preço dos veículos e da linha branca de eletrodomésticos, mexendo no IPI, agora, o nível elevado de inadimplência do consumidor e o baixo poder de barganha, tem provocado a negativa das instituições financeiras para abonar o financiamento dos veículos, tanto na pessoa física como jurídica. “Hoje, está muito mais difícil a aprovação”, disse o gerente da revenda de veículos novos, em Cascavel.
Ele recorda que na época da redução do IPI, as parcelas oscilavam entre R$ 700 e R$ 800. Hoje, dificilmente vão ficar abaixo dos R$ 1.700/mês, por conta do valor do carro e dos juros cobrados. “O consumidor vai ficar na dúvida se troca de carro ou garante a compra mensal no supermercado”, pondera o gerente com olhar mais pessimista para o segmento “carro popular”.
Para as revendedoras, além do ceticismo quanto ao crédito, ainda tem o problema da “paralisação” das negociações para as vendas. No momento em a Medida Provisória for publicada com as novas regras, as montadoras vão precisar adequar o sistema. “Vamos pegar o nosso estoque, ‘devolver contabilmente’ para a fábrica fazer o refaturamento com o novo imposto”, explica. Então, segue ele, além do tempo que terão que esperar para as regras serem oficializadas e entendidas, ainda será necessário um tempo para as readequações, prejudicando ainda mais as vendas.
Essa intenção de reduzir o preço dos veículos novos vinha sendo ventilada há algum tempo pelo Governo Federal. O plano prevê a redução dos impostos e outros encargos que incidem sobre o preço dos carros zero-quilômetro. Conforme antecipou o governo, serão alíquotas menores para o IPI, PIS e COFINS.
Montadoras pedem “acesso ao crédito”
As medidas tem a finalidade de fortalecer o parque industrial brasileiro. O governo anunciará, concomitantemente, linhas de crédito para as empresas. Enquanto isso, as montadoras fazem coro pedindo a redução da taxa de juros, para facilitar o acesso dos consumidores ao crédito.
O Ministério da Fazenda vai avaliar a questão de forma técnica nos próximos 15 dias. A finalidade é explicar como a isenção dos impostos será compensada no Orçamento da União. As medidas serão anunciadas ainda em junho deste ano.
Otimista, Anfavea faz projeção
de venda de até 300 mil carros
Logo após o anúncio da redução de impostos, o presidente da Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), Márcio Lima Leite, disse que as montadoras já estão alterando planejamentos para poder produzir mais. “Nós tivemos notícias de três fábricas que suspenderam lockdowns [paralisação dos trabalhos por falta de demanda] que estavam previstos. O efeito [da redução dos impostos] é imediato [e isso explica] a urgência dessas medidas”, disse, em entrevista, na sede da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).
Para ele, a queda de impostos poderá elevar a produção do setor em cerca de 300 mil veículos por ano. Ele ressaltou, no entanto, que as medidas ainda não foram anunciadas na sua integralidade. “Essas medidas podem impactar o mercado entre 200 ou 300 mil unidades, mas depende, porque nós ainda não conhecemos todas as regras. Mas não seria muito imaginar algo em torno de 200 mil a 300 mil unidades dependendo de como vai ser essa composição que será anunciada”, acentuou.
Leite garantiu que o corte de impostos não irá causar diminuição na tecnologia empregada nos carros, assim como não haverá redução na segurança dos veículos e no cuidado ambiental. “Os itens de segurança obrigatórios, que foram uma grande conquista para o consumidor e para a sociedade, eles estão mantidos. Não há qualquer flexibilidade em relação à segurança veicular. Igualmente, não há qualquer flexibilidade quanto à questão ambiental e há um estímulo em caráter social em função do preço do veículo”, finalizou.
Fim dos lockdowns
Leite afirmou não estar autorizado a dizer o nome das empresas que suspenderam os lockdowns programados, mas disse que a indústria automobilística nacional já registrou 14 paralisações de fábricas em 2023.
“Estamos com 50% de capacidade ociosa. É um momento realmente de recuperação da indústria. Esse fenômeno não aconteceu apenas no Brasil, é um fenômeno global, mas principalmente no Brasil as taxas de juros acabaram contribuindo muito para a redução do mercado”, explicou.