A aprovação do CNPE (Conselho Nacional de Política Energética), por meio de resolução, elevando para 12% o teor de mistura obrigatória do biodiesel no óleo diesel fóssil a partir do próximo mês levou o setor de transportes brasileiro a torcer o nariz para os impactos provocados pela medida. Como se já não bastasse os 12%, esse aumento do teor tende a ser progressivo e chegará a 15% em 2026. Até o fim do março, o percentual permanecerá em 10%. Além disso, o preço do diesel na bomba aumentará em dois centavos de real para o consumidor.
Na ocasião, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, disse que a mudança utilizou como base, estudos técnicos com a finalidade de evitar um impacto econômico substancial. O Governo Federal justifica a medida com a finalidade de mitigar as emissões de poluentes no meio ambiente e evitar danos à saúde da população.
Em nota encaminhada para a redação do Jornal O Paraná, a Fetranspar (Federação das Empresas de Transportes de Cargas do Estado do Paraná), assinada ainda pela NTC&Logística e divulgada pela CNT (Confederação Nacional do Transporte), taxou de “notas agressivas e distorcidas” a postura da indústria do biodiesel, usando os meios de comunicação para fazer pressão nos membros do Conselho Nacional de Política Energética. “Utilizando-se da urgência na atenção ao meio ambiente e à adoção de práticas sustentáveis – preocupação real de toda a sociedade –, esses agentes econômicos buscam acobertar seus reais interesses: garantir uma reserva de mercado contra a concorrência de biocombustíveis mais modernos”, destaca um dos trechos da nota.
“BORRA PREJUDICIAL”
Conforme a Fetranspar, o que era para ser uma proposta de economia solidária e de incentivo ao uso de energia limpa e fonte de renda para a agricultura familiar e para o agricultor de baixa renda, por meio do plantio de palma e mamona na produção do biodiesel, “se transformou em um negócio rentável apenas para os grandes produtores”.
O biodiesel produzido hoje no Brasil é o de base éster. A característica química desse biodiesel gera problemas como a criação de uma borra, com alto teor poluidor. Na prática, esse sedimento danifica peças automotivas, bombas de abastecimento, geradores de hospitais, máquinas agrícolas e motores estacionários. Outro dano ocasionado pela borra é o congelamento e contaminação do insumo. O biodiesel cristaliza em baixas temperaturas em motores quando as situações climáticas envolvem variação de temperatura e umidade.
Diesel verde
Com a mesma soja e demais biomassas que se faz o biodiesel de base éster, é possível fazer o diesel verde – HVO – sustentável e funcional. Mas, as discussões sobre o incentivo à produção e uso de diesel verde não evoluem também por questões econômicas e políticas. Quem produz o biodiesel não quer o HVO. “A verdade é que os atuais produtores de biodiesel não querem perder o lucro fácil e rápido do biodiesel de base éster, nem investir na modernização do processo industrial para produzir diesel verde”, cita um dos trechos da nota encaminhada ao O Paraná.
Profissionais apontam problemas mecânicos,
mais consumo e preço alto para o consumidor
Para a Fetranspar, o tema do uso do biodiesel e a sua atual forma de produção no Brasil precisam ser revisitados. “Isso implica a promoção de estudos para identificar os impactos em toda a cadeia produtiva do Brasil, dos motores dos ônibus e caminhões, passando pelo distribuidor e pelo revendedor do diesel, até o transportador”. Na visão da federação, a indústria automotiva tem sofrido as consequências com as avaliações de padrão de qualidade: perda da eficiência de motores, aumento do consumo de diesel e, consequentemente, mais poluição. “Donos de postos de combustíveis, além dos problemas que enfrentam nas bombas, encaram a ira de motoristas que abastecem com a mistura de biodiesel e voltam para reclamar de pane em seus veículos, como se o combustível estivesse adulterado”.
O presidente da Fetranspar, Coronel Sérgio Malucelli, comenta que o transportador – que move este país -, tem se deparado com problemas mecânicos relacionados ao descompasso entre o teor do biodiesel e as limitações das tecnologias veiculares e peças automotivas. “Além de gastar mais com um combustível que não é ambientalmente sustentável, ainda fica por vezes parado na estrada, perdendo tempo e aumentando seu prejuízo”. Para ele, esses prejuízos se dão em virtude do desgaste prematuro de peças veiculares; da descompensação ambiental das emissões de poluentes; e da onerosa participação do biodiesel no preço final do diesel comercializado.
O Brasil deve olhar para a experiência mundial. A mistura para o consumidor final, para os motores funcionarem a contento, garantindo a redução de emissões, é de 7% na Comunidade Europeia; de 5% no Japão e Argentina; de 1% a 5% no Canadá; e de 5% nos Estados Unidos, usualmente. E esses países estão na linha de frente das preocupações climáticas. Aqui, já se pratica um percentual de 10%.
Um dos pontos importante, na ótica do líder da Fetranspar, seria o de ouvir todos os setores que posam contribuir com o entendimento técnico do que representa a adição do biodiesel ao diesel nas atuais configurações. Isso é dever do governo e do legislativo, uma vez que toda a sociedade é afetada.
Mais manutenção
Profissional com 35 anos de experiência em distribuidora de combustível, João Maschio, comenta que todas as vezes em que se coloca óleo que não seja fóssil no diesel, aumenta o consumo e a certeza de manutenção dos veículos. “Na lei da ANP, além de colocar biodiesel no diesel, podem incluir até 30% de gordura animal. Isso é terrível, principalmente na época de inverno”. No biodiesel vai óleo degomado de soja, álcool anidro, processo de transesterificação ou alcoólise (reação química que leva a transformação de óleos ou gorduras de origem vegetal ou animal com álcoois de cadeia curta em biodiesel). “A gordura animal pode cristalizar o diesel em dias de muito frio e gerar problema na parte mecânica do veículo”.
Hoje, 86% do biodiesel consumido no país é fruto da soja de grandes produtores. Por isso, também foi aprovado pelo CNPE o retorno de um selo social, dado à indústria pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, que comprova a origem da matéria-prima utilizada para produção de biodiesel. Será obrigatória a compra de 20% de matéria-prima a partir de regiões do semiárido, que inclui norte de Minas Gerais, e do Norte e Nordeste do país.
Petrobras reduz preço
Desde quinta-feira, o preço médio de venda de diesel A da Petrobras para as distribuidoras caiu R$ 0,18 por litro, passando de R$ 4,02 para R$ 3,84. Em nota, a Petrobras informou que a sua parcela no preço ao consumidor será, em média, R$ 3,45 a cada litro vendido na bomba, após considerar a mistura obrigatória de 90% de diesel A e 10% de biodiesel para a composição do diesel comercializado nos postos.
De acordo com a companhia, os principais motivos do recuo são a manutenção da competitividade dos seus preços “frente às principais alternativas de suprimento dos nossos clientes e a participação de mercado necessária para a otimização dos ativos de refino”.