Os donos das JBS pagaram propina para ter vantagens para suas empresas e viabilizar negócios que formaram o maior grupo privado do país e a maior companhia de carne do mundo, de acordo com depoimentos na delação premiada de executivos e empresários da JBS e empresas do mesmo grupo. Os relatos mostram que o grupo corrompeu políticos para ter incentivos fiscais e conseguir dinheiro no BNDES e nos fundos de pensão.
O grupo também teria tentado interferir nas investigações da Operação Greenfield, que investiga as operações de fundos de pensão, em decisões do Conselho Administrativo de Defesa Econômica e até indicar executivos para a Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Executivos relatam que os pedidos foram feitos por Joesley ao presidente da República Michel Temer e ao deputado Rodrigo Rocha Loures em reuniões realizadas em março deste ano.
1 – Desoneração da folha de pagamento
Segundo Joesley Batista, a empresa pagou R$ 20 milhões de propina em 2015 ao então presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha para conseguir aprovar o projeto de desoneração tributária da folha de pagamentos para os produtores de aves.
O empresário disse que foi procurado por Cunha para tratar da questão, que estava na Câmara. Ele ainda relata que o valor combinado era R$ 15 milhões, mas Cunha pediu R$ 5 milhões a mais uma semana antes de ser preso. O valor foi pago a uma pessoa indicada por Cunha após sua prisão.
A JBS se tornou uma das grandes produtoras de frango no Brasil, atrás apenas da BRF, com a compra da Seara, em 2013.
A desoneração da folha de pagamento foi uma medida do governo Dilma Rousseff em 2011 para estimular a economia. A medida consiste na substituição da contribuição previdenciária patronal, que cobra uma taxa de 20% sobre a folha de pagamentos das empresas, por um imposto que incide sobre o faturamento da companhia.
Na primeira concessão do benefício, a alíquota variava entre 1 e 2% do faturamento. Na renovação em 2015, as taxas subiram para uma faixa de 2,5% a 4,5%. O setor de carnes foi exceção e a alíquota foi mantida em 1% da receita bruta.
2 – Crédito e aportes do BNDES
O grupo JBS exercia influência no BNDES por meio do ex-ministro da Fazenda, Guido Mantega, de acordo com depoimento de Joesley Batista. O empresário conta que pagava como propina uma taxa de 4% do valor de cada contrato aprovado no BNDES, assim como dos aportes financeiros feitos por meio da BNDESpar, o braço do banco que investe em participações de empresas. Hoje o BNDES é dono de 21% da empresa.
Diversas aquisições da JBS foram financiadas pelo BNDES, como a compra do frigorífico Bertin e das empresas americanas Swift e Pilgrim’s Pride. As aquisições foram as grandes responsáveis pelo salto no faturamento da JBS, que avançou de R$ 4 bilhões para R$ 170 bilhões entre 2006 e 2016. Além dos negócios de carne, a fabricante de celulose do grupo J&F, a Eldorado, também recebeu créditos bilionários do BNDES.
Segundo o empresário, os pagamentos foram feitos em duas fases. Entre 2005 e 2008, o empresário Victor Sandri, que apresentou Joesley a Mantega, recebia o pagamento. A partir de 2009, Joesley passou a tratar diretamente com Mantega.
Joesley diz que abriu uma conta no exterior para fazer os depósitos referentes à propina de Mantega a partir de 2009 e que mostrava extratos para o ex-ministro da Fazenda. Mantega teria pedido a Joesley para abrir uma conta diferente quando mudou o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para o de Dilma Rousseff.
Ele diz que Mantega passou uma lista de políticos e partidos para Joesley efetuar doações em 2014. Naquela época, o saldo total das duas contas era de US$ 150 milhões em 2014. O dinheiro todo foi usado para financiar a campanha política.
3 – Investimentos dos fundos de pensão
Os investimentos dos fundos de pensão nos negócios do grupo J&F, dono da JBS, envolveram o pagamento de propina para executivos dos fundos e para o Partido dos Trabalhadores, segundo depoimento de Joesley Batista.
“(Era uma) situação análoga, idêntica ao BNDES, com uma diferença apenas: nos fundos eu pagava propina também pro dirigente e também pro PT, pro tesoureiro. Tinha uma planilha que eu abria 1% pro dirigente, 1% pro presidente do fundo, 1% pro PT, que era administrado pelo Vaccari (João Vaccari, ex-tesoureiro do PT) e creditava a conta mãe, lá, a conta do Guido (Guido Mantega, ex-ministro da Fazenda).
Os fundos de pensão são entidades que administram a aposentadoria complementar dos trabalhadores. Os maiores fundos do Brasil são vinculados a empresas estatais, como a Previ, dos funcionários do Banco do Brasil, a Petros, da Petrobras, e a Funcef, da Caixa Econômica.
Em seu depoimento, Joesley relata irregularidades envolvendo dirigentes do Petros e Funcef. Esses dois fundos são acionistas minoritários da Eldorado, fabricante de celulose dos irmãos Batista, por meio de um fundo de investimentos em participações, o FIP Florestal. Os dois fundos têm uma fatia 8,53% cada um na companhia.
4 – Investimento do FI-FGTS
Em seu depoimento, Joesley disse que pagou propina para conseguir liberar um investimento de R$ 940 milhões do FI-FGTS para construção da fábrica da Eldorado. O FI-FGTS é um fundo administrado pela Caixa Econômica Federal que investe recursos do FGTS em projetos de infraestrutura.
Segundo Joesley, Lucio Funaro o abordou e disse que soube que o grupo teria pedido financiamento ao FI-FGTS.
“Na semana anterior a gente tinha dado entrada num pedido de financiamento no FI-FGTS. (eu disse) ‘Como é que você sabe?’ Ele falou: ‘eu tenho uma pessoa lá chamada Fábio Cleto (ex-vice-presidente da Caixa) e que a gente pode acertar, ele pode te ajudar a aprovar esse negócio ai’”.
O conselho do FI-FGTS precisa aprovar o investimento na empresa. ““Ficou muito claro e notório que quando chegou na área do conselho não andava a aprovação. (…) Resumindo: eu entendi que se eu não desse ouvidos ao Lucio realmente a coisa não ia andar. Eu tava precisando, a fábrica estava sendo construída [fábrica da Eldorado], eu precisava do financiamento, foi onde eu chamei o Lucio e falei: ô Lucio, como é que é aquele negócio? Ai eu fui e acertei 3 ou 3,5%. Aí a coisa andou”
5 – Créditos tributários estaduais
A JBS negociou o pagamento de propina a políticos do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul para conseguir descontos no pagamento de ICMS, relatam os depoimentos dos delatores Wesley Batista, dono e presidente da JBS, e Valdir Aparecido Boni, diretor de tributos da empresa.
Wesley diz que pagou propina ao governador de Mato Grosso do Sul, Reinaldo Azambuja (PSDB), e aos ex-governadores Zeca do PT e André Puccinelli (PMDB).
Boni contou que a negociação de propina em Mato Grosso começou em 2011, com o então governador Silval Barbosa (PMDB), preso desde 2015 acusado de trocar propina por incentivos fiscais.
Barbosa mudou a forma de tributação do setor frigorífico. Desta forma, as empresas que não tivessem enquadradas em um programa de incentivo fiscal, chamado ProDeic, pagariam uma alíquota de 3,5% de impostos (caso que seria o da JBS), mais do que aquelas que estavam no ProDeic, que pagariam entre 0 e 1%.
“Diante disso, o Wesley — se não me engano, eu estava junto, nós fomos até o governador dizer a ele: ‘Olha, não é justo uma empresa pagar 0 ou 1% e nós pagarmos 3,5%’. Daí que ele disse: ‘Olha, vamos fazer o seguinte. Até a gente estudar uma proposta definitiva, a gente vai conceder um termo, um protocolo de intenções um crédito presumido de R$ 73 milhões pra JBS S.A. para o ano de 2011’”, afirma Boni.
“No final era acertar ou não e ter de pagar 3,5%. Bem, eu acertei em redor de R$ 10 milhões de propina”, diz Wesley Batista. “Ficamos trabalhando os anos de 2011, 2012 e 2013 utilizando esses créditos que nos foram concedidos e para cada ano pagamos ao redor de R$ 10 milhões”, afirma Wesley Batista. Segundo ele, a propina foi paga em dinheiro vivo e através de notas fiscais frias, num total de R$ 30 milhões.
De acordo com o depoimento de Wesley e Boni, em 2014, a JBS sofreu uma fiscalização, e o fiscal levantou exatamente os R$ 73 milhões de crédito que Silval Barbosa havia concedido – a empresa foi autuada em R$ 200 milhões. “Corri lá e falei com ele [o governador Silval Barbosa]: ‘você tem que achar uma solução, eu fiz um acerto com você, te paguei uma propina e agora estou sendo autuado’”, afirma Wesley no depoimento.
Segundo Boni, a questão foi resolvida com a assinatura de um documento que estendia o benefício do ProDeic que uma unidade da fábrica da JBS, em Diamantina, tinha para as demais fábricas. “Era um documento falso. Por quê? Porque nós assinamos ele em 2014 com data de 2012”, afirma Boni.
6 – Tentativa de influenciar o Cade
O dono da JBS disse que pediu a Temer e Rocha Loures, apontado como interlocutor de Temer, que intercedessem a favor do grupo em um pleito no Cade. A J&F questiona o monopólio da Petrobrás na importação de gás da Bolívia em um processo.
A empresa é dona de uma usina termelétrica em Cuiabá, movida a gás, que ficava sem matéria-prima para funcionar porque a Petrobrás compra todo o gás boliviano e não tinha garantia de fornecimento do insumo, de acordo com Joesley.
Joesley disse que falou com Temer sobre a possibilidade de ter “um presidente alinhado com o governo” no Cade e Temer teria dito que "tinha uma pessoa lá que dá para ter uma conversa franca".
Em reunião com Rocha Loures, Joesley pediu apoio na questão contra a Petrobras. O empresário explica que a solução do caso poderia gerar ganhos de R$ 1 milhão a R$ 3 milhões por dia para a termelétrica do grupo. Ele ofereceu propina no valor de 5% do lucro da termelétrica se a questão fosse resolvida no Cade.
Para justificar a proposta, Joesley lembrou que continuava a pagar propina às famílias do deputado Eduardo Cunha e do doleiro Lúcio Funaro após sua prisão, em 2016, mas que eles estavam com saldos zerados. Para continuar os depósitos, Joesley disse que teria que "fazer mais negócios" para gerar mais propina para manter suas famílias.
“O seguinte: na planilha do Eduardo, e na planilha do Lúcio, acabou o dinheiro. No intuito de que nós temos que viabilizar, para mantê-los lá, para manter a família do Eduardo, a família do Lúcio, tem que fazer mais negócio, tem que prometer mais propina, tem que reservar mais e dentro desse contexto eu estava dizendo o potencial que daria (o negócio da termelétrica). Aí eu falei para ele que podia pagar 5% (do lucro da termelétrica) e ele concordou“, disse Joesley.
7 – Interferência nas investigações da operação Greenfield
A J&F atuou de duas formas para tentar influenciar as investigações da operação Greenfield, que investiga irregularidades em aplicações de fundos de pensão na Eldorado, empresa de celulose do grupo. Uma das frentes foi a contratação de um advogado amigo de um juiz do caso e a outra foi o pagamento de propina a um procurador assistente da acusação.
Segundo o delator Francisco Silva, o advogado Willer Tomaz foi contratado para tentar conquistar apoio do juiz federal Ricardo Soares Leite, juiz substituto da 10ª Vara Federal de Brasília, onde tramitam os processos da operação Greenfield. Willer receberia como honorários R$ 4 milhões e uma taxa de sucesso de mais R$ 4 milhões se ele conseguisse o arquivamento do inquérito.
“Fica combinado que ele (Willer Tomaz) ia ter o mandato de nos aproximar do doutor Ricardo (Ricardo da 10ª Vara)”. (…) Nessa décima vara é que ocorre a operação Greenfield, a operação Sepsis e o inquérito que investiga o grupo nas suas relações com o BNDES. É o inquérito mais importante”, disse silva.
Outra frente da atuação para interferir nas mesmas investigações foi o pagamento de propina ao procurador Ângelo Goulart, preso na quinta-feira (18), que era um dos auxiliares do procurador Anselmo Lopes no caso.
O Ministério Público vê irregularidades no aporte de R$ 550 milhões feito em 2009 dos fundos de pensão na Florestal, empresa do grupo J&F que posteriormente foi incorporada pela Eldorado. Há suspeitas de que os fundos foram lesados pela J&F e teriam uma participação maior na empresa. Isso teria ocorrido porque a J&F superfaturou a avaliação de ativos da Eldorado na época da fusão.
Segundo Silva, o procurador Anselmo Lopes defende um ressarcimento de R$ 578 milhões para os fundos de pensão, valor que inclui a diferença da avaliação da empresa, mais juros e correção monetária.
A J&F propôs o pagamento de propina a Goulart se ele conseguisse convencer Lopes a reduzir o valor que seria imposto à JBS como multa no processo, de acordo com o depoimento de Silva.
“Eu expliquei para ele: ‘olha, a diferença é o seguinte. Para resumir aqui, é uma diferença de uma avaliação de R$ 300 milhões ou R$ 550 milhões (. Isso dá uma diferença de R$ 250 milhões. Na teoria do doutor Anselmo, daria R$ 250 milhões de diferença, que corrigido pelo IPCA +5 (multa e correção monetária), dá R$ 578 milhões. O trabalho é o seguinte: dos R$ 578 milhões pro zero, tem uma parcela de êxito”.
8 – Pedidos para indicar diretores na CVM
Na mesma reunião em que pediu a intervenção de Temer no Cade, Joesley pediu a indicação de “pessoas alinhadas com o governo” na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o órgão regulador do mercado de capitais.
“Da CVM também fui falar que iria estar trocando o presidente também e que seria importante ter uma pessoa alinhada como governo, alinhada com os interesses dele para que a gente pudesse, quando necessário, fazer as reivindicações, né”, afirmou Joesley, na delação.
A CVM abriu cinco processos administrativos contra a JBS entre quinta e sexta-feira (19) para investigar suposto uso de informação privilegiada em operações da empresa, seus controladores e empresas do mesmo grupo por operações no mercado de câmbio e ações.