Cotidiano

STF: Dois ministros defendem prisões depois da condenação em segunda instância

BRASÍLIA ? O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou nesta quarta-feira o julgamento que definirá se réus poderão ser presos depois da condenação de um tribunal de segunda instância, ou se podem continuar recorrendo em liberdade até que sejam analisados todos os recursos judiciais possíveis. No dia 1º de setembro, o ministro Marco Aurélio Mello votou para que condenados em segunda instância não sejam presos se estiverem recorrendo judicialmente da sentença. Hoje, os ministros Edson Fachin e Luís Roberto Barroso defenderam o oposto ? ou seja, pela execução antecipada da pena.

Oito ministros ainda devem votar hoje, definindo uma regra geral para ser cumprida em todo o país. Em fevereiro, ao julgar o habeas corpus de um réu, a maioria dos integrantes do STF entendeu que a pena poderia ser executada depois da condenação imposta pelo tribunal de segunda instância, ainda que o investigado tenha direito de recorrer da sentença.

Embora a decisão tenha sido dada em um caso específico, sem extensão a todos os processos semelhantes, juízes de todo o Brasil começaram a aplicar o entendimento, em respeito à jurisprudência da mais alta corte do país. No voto dado em 1º de setembro, Marco Aurélio defendeu que seja concedida uma liminar para libertar todos os réus que foram presos com base na decisão tomada pelo tribunal em fevereiro. Somente no processo que está em julgamento agora é que será definida uma regra geral. Os três ministros que votaram até agora se manifestaram da mesma forma que no julgamento de fevereiro.

Na sessão de hoje, Barroso citou exemplos de criminosos que, mesmo depois de condenados, ficaram muitos anos em liberdade. Para ele, esse sistema gera frustração na sociedade, que não vê a punição ser concretizada.

? Um sistema de justiça desacreditado pela sociedade colabora para o aumento da criminalidade ? disse o ministro.

Barroso afirmou que o atual modelo é caótico, porque permite que um condenado apresente dezenas de recursos a tribunais superiores, adiando por anos o início do cumprimento da pena. O ministro também disse que o sistema acaba beneficiando apenas quem tem dinheiro para pagar um advogado para apresentar um número indefinido de recursos.

? Enquanto o advogado tem direito a recorrer, ele exerce esse direito e acho q ninguém pode criticar ou condenar isso. A regra é um estímulo para que não se deixe o processo transitar em julgado ? afirmou Barroso.

Em 1º de setembro, Marco Aurélio, que é relator do processo, baseou o voto no princípio constitucional da presunção de inocência, segundo o qual uma pessoa não pode ser considerada culpada até que possa provar o contrário. Para ele, a pena imposta a alguém só pode ser executada quando se esgotarem todas as possibilidades de recurso judicial. Depois da segunda instância, os réus ainda podem apelar ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e, por fim, ao STF.

Na última sessão, Marco Aurélio citou dados revelando que é muito comum, em julgamento de recursos, o STJ concedeu direitos a condenados por tribunais de segunda instância. Entre esses direitos, estão a diminuição da pena, a mudança do regime inicial de cumprimento da pena e até a absolvição. Segundo Marco Aurélio, entre 2008 e 2015, o STJ concedeu direitos em 29,30% a 49,31% dos recursos.

Em fevereiro, a votação terminou em sete votos a quatro. Votaram pela execução antecipada das penas os ministros Teori Zavascki, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Edson Fachin. É pouco provável que um deles mude de ideia, mas pode acontecer.

Em fevereiro, esse grupo de ministros argumentou que recursos protelatórios costumam dar à sociedade a sensação de impunidade, porque a prisão ocorria muito depois do cometimento do crime. Também prevaleceu a necessidade de prestigiar as decisões tomadas pelos juízes de primeira e segunda instância. Segundo os ministros, com as práticas atuais, essas decisões adquirem caráter passageiro, porque ainda são alvo de dezenas de recursos até decretado o trânsito em julgado em um processo.

Os ministros que ficaram em minoria ponderaram que a presunção de inocência prevista na Constituição Federal não permite a prisão de alguém por condenação ainda não confirmada em última instância. Além de MarcoAurélio, votaram dessa forma Rosa Weber, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski.

A regra da execução antecipada da pena era aplicada no STF até 2009. Naquele ano, no julgamento de um processo, o tribunal mudou a jurisprudência e determinou a necessidade de trânsito em julgado como condição para o início da execução penal. O julgamento de fevereiro resultou em nova reviravolta da jurisprudência, que volta a ser o entendimento da corte até 2009.

A decisão de caráter nacional será tomada no julgamento de duas ações apresentadas pelo PEN e pela OAB. O pedido é para que seja validado o artigo do Código de Processo Penal que determina o início do cumprimento da pena de prisão depois do trânsito em julgado da sentença condenatória. Nas ações, as entidades argumentam que a decisão tomada pelo STF teve força suficiente para influenciar juízes de todo o país. Por isso, seria necessário a corte fixar uma posição definitiva sobre a questão.

Depois da decisão de fevereiro, decisões díspares da segunda instância e também liminares concedidas por ministros do STF em sentidos opostos comprovaram essa necessidade. Em junho, o mais antigo integrante do tribunal, ministro Celso de Mello, que concordou com Marco Aurélio em fevereiro, deu habeas corpus libertando um réu que tinha sido preso depois de condenado em segunda instância. Lançou mão do princípio constitucional da presunção de inocência no despacho. Em julho, durante o recesso do tribunal, o presidente, Ricardo Lewandowski, mandou soltar outro réu na mesma situação. Em agosto, com o fim do recesso, o relator do caso, Edson Fachin, revogou a decisão do colega e determinou a volta do réu para a prisão.