RIO E WASHINGTON ? Se hoje o nacionalismo é tema-chave nos EUA em função dos discursos e atitudes protecionistas do presidente Donald Trump, vários de seus estados e territórios veem um reforço de movimentos que querem deixar o país. Dos gigantes Califórnia e Texas a locais distantes como Havaí e Porto Rico, os motivos incluem independência econômica, preservação de valores, críticas ao sistema político de Washington e o desejo de voltar a um passado de soberania.
Na Califórnia, estado mais populoso dos EUA e um bastião progressista, ameaças do governo Trump às liberdades civis fizeram mais moradores aderirem a movimentos separatistas. Entre eles, seu primeiro partido oficial pró-secessão: fundado em 2015, o Partido Nacional da Califórnia (CNP) está pré-registrado e busca angariar 50 mil assinaturas para se qualificar às eleições de 2018 e defender no Legislativo estadual um referendo.
? Nossa intenção é permanecer um grande amigo, aliado e parceiro comercial dos EUA após a independência. O povo americano elegeu um projeto de ditador intolerante, narcisista e petulante. Como resultado, direitos básicos como liberdade de expressão e de imprensa, a não discriminação e o acesso a saúde, direitos reprodutivos e segurança estão em perigo ? dispara Jay Rooney, secretário de imprensa do CNP.
O CNP adota nome e estratégias do Partido Nacional Escocês (SNP). A legenda e o maior movimento civil pró-secessão do estado, o Yes California, apontam que o estado paga mais em impostos do que recebe de financiamento federal, além de afirmarem que seus 39 milhões de habitantes são pouco representados no Congresso e no Colégio Eleitoral ? mesmo tendo a sexta maior economia do mundo, à frente da França.
? Diria que a chance de a Califórnia se tornar independente é a mesma de o Reino Unido deixar a União Europeia ou de Trump ser eleito ? diz Rooney, otimista.
O ?Calexit? (Saída da Califórnia, nome aos moldes do Brexit) tenta arrebatar 585 mil assinaturas para convocar um referendo para 2019. A missão está em mãos do Yes California, que se vê diante de crescentes acusações de que seu presidente, Louis Marinelli, tem laços com a Rússia. O nova-iorquino vive hoje naquele país. Recentemente, fundou em Moscou uma ?embaixada cultural? com apoio financeiro de uma ONG de aliados nacionalistas do presidente Vladimir Putin. Procurado pelo GLOBO, o Yes California não atendeu a pedidos de entrevista.
Mas se as liberdades civis são parte majoritária do movimento pró-secessão da Califórnia, o discurso de soberania econômica e política predomina entre os separatistas no segundo estado mais populoso do país. O Movimento Nacionalista do Texas (TNM) quer preservar e defender a cultura, a História e a economia de seu território. Alcançou recentemente 330 mil signatários a favor de um referendo, com uma única defesa: restaurar a república texana ? sem escolher lados quando se discute Trump, imigração ou porte de armas.
? A independência do Texas é uma questão transpartidária ? diz Daniel Miller, presidente do TNM. ? Estamos trabalhando para ganhar maior influência no Legislativo do estado. Nossa independência precisa ser decidida em um referendo. Devemos não apenas aprovar uma legislação que torne isso uma realidade, mas estar preparados para vencer.
James Rogers, professor da Texas A&M University no Qatar, afirma que a maior parte dos integrantes dessas organizações apenas expressa frustrações com o atual chefe da Casa Branca. Segundo ele, apenas uma pequena minoria é formada por pessoas que realmente acreditam nas vantagens da saída:
? O que acontece na Califórnia agora é a imagem espelhada ideológica do movimento conservador no Texas no governo Obama ? afirma o professor. ? No caso da Califórnia, os progressistas se opõem a Trump. A energia vem de lados opostos do espectro ideológico, mas a motivação é praticamente a mesma.
Para ele, seria mais provável alterar a Constituição para reformar o Colégio Eleitoral. Uma decisão da Suprema Corte de 1869 indicou que seria possível um estado deixar pacificamente o país. Mas o especialista observa que, para este fim, seria necessário ter uma emenda constitucional ou um consenso dos estados, caminho muito difícil.
? A chance real de um estado se separar é efetivamente zero.
Fora do continente, a identidade local ganha peso. Dennis ?Bumpy? Kanahele é líder da Nation of Hawaii, grupo separatista mais antigo em atividade no estado, e hoje chefia um território autogovernado na ilha de Oahu.
? O Havaí está sob ocupação ilegal. Nosso lema é restaurar a soberania ? diz Bumpy, espécie de celebridade local que apareceu em filmes e séries.
Já boa parte dos 3,5 milhões de porto-riquenhos vai às urnas em junho em um plebiscito não vinculante sobre se unir ou se afastar dos EUA. Rafael Rosario, presidente do Partido Independentista, acredita que a maioria dos eleitores queira mudar o status quo ? a ilha caribenha é hoje um território associado e não incorporado. Mas a situação é complexa: com a cidadania americana, jovens vão para o continente, e a ilha fica com pouca mão de obra. Este foi um dos fatores que levaram a uma grave crise fiscal e econômica.
? A crise e a eleição de Trump darão força para mudar ? afirma ele, que vê a saída levando a uma transição de 15 a 20 anos.