BRASÍLIA – Em documento enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF), a Câmara dos Deputados defende que réus em ações penais comuns podem exercer cargos que estão na linha sucessória da Presidência da República. É o caso, por exemplo, de quem ocupa o posto de presidente da Câmara, substituto do presidente da República em caso de ausência dele e do vice.
No começo de maio, o partido Rede Sustentabilidade apresentou uma ação argumentando que réus não poderiam estar na linha sucessória. Isso porque a Constituição estabelece que, uma vez aceita denúncia pelo STF, o próprio presidente da República não pode continuar o cargo. Por analogia, o mesmo entendimento deveria ser aplicado a seus substitutos.
A ação foi protocolada antes do afastamento do presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ), determinado pelo próprio STF no julgamento de uma outra ação. Ela foi protocolada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, argumentando que Cunha estava usando o cargo para se proteger, promovendo, entre outras coisas, o achaque a empresas e a retaliação contra adversários.
O documento encaminhado ao STF é assinado pelo advogado Renato Oliveira Ramos, servidor da Câmara responsável por representar a Casa no STF. Ele destaca um outro trecho da Constituição, segundo o qual “o presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções”. Assim, argumenta que, se não é justificável afastar o presidente da República por qualquer motivo, o mesmo entendimento deve ser estendido ao presidente da Câmara.
A Câmara reconhece que, no julgamento da ação que levou o afastamento de Cunha do cargo, os ministros Teori Zavascki, Gilmar Mendes e Celso de Mello concluem que o fato de ser réu é suficiente para impedir o exercício das funções de presidente da Câmara. “Tal interpretação, porém, como já dito e repetido, decorre de uma leitura do texto constitucional que despreza seu conjunto normativo por inteiro. Ao efetuar uma leitura parcial do texto constitucional, aqueles ministro negaram a necessidade de se efetuar uma leitura sistemática de suas normas”, rebate a Câmara.
Outro ponto contestado pela Câmara é de natureza formal. O documento aponta que o tipo de ação apresentado pela Rede, uma arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), não pode ser usado para casos concretos. Argumenta que, embora a ação sustente uma tese, a de que réus não podem assumir cargos na linha sucessória da Presidência da República, ela na verdade “questiona situação fática concreta – a permanência do deputado Eduardo Cunha na Presidência da Câmara dos Deputados – e não busca, portanto, uma fiscalização abstrata de constitucionalidade”.
A Câmara compara ainda as regras aplicadas até aqui para eleição de presidente da Câmara a interpretações feitas pelo STF a respeito da Constituição. Se as interpretações do STF não podem ser questionadas por ADPF, o mesmo não pode em relação àquelas feitas pela Câmara.