Brasília – Procuradores da Operação Lava Jato afirmaram ontem que podem renunciar coletivamente caso a proposta de abuso de autoridade entre em vigor. A medida foi inserida no texto das dez medidas contra a corrupção pela Câmara na madrugada de ontem.
“A nossa proposta é renunciar coletivamente [à Lava Jato] caso essa proposta seja sancionada pelo presidente”, afirmou Carlos Fernando dos Santos Lima, procurador da República e um dos coordenadores da força-tarefa, durante entrevista coletiva.
A ideia dos procuradores é abandonar a força-tarefa da Lava Jato e voltar às suas atividades habituais. Nesse caso, caberia à PGR (Procuradoria-Geral da República), que instaurou a força-tarefa, designar outros procuradores para a função ou decidir se encerraria a equipe.
“Muito mais valerá a pena fazer um parecer previdenciário do que se arriscar a investigar poderosos”, disse Lima.
Os procuradores ainda acusaram “grandes líderes partidários e líderes do governo” de Michel Temer (PMDB) de articular a votação da madrugada.
“O Congresso Nacional sabia muito bem o que estava fazendo”, disse o procurador Deltan Dallagnol, um dos idealizadores das dez medidas. “Essas propostas [aprovadas] são a favor da corrupção. Dizem muito claramente a que vieram.”
“Não é somente o governo federal; estamos falando de partidos que hoje se dizem na oposição”, disse Lima. “Isso se estende por todo o espectro político-partidário brasileiro, salvo honrosas exceções de pequenos partidos.”
Dallagnol ainda afirmou que “até o Governo Dilma avançou propostas contra a corrupção muito melhores que as que foram aprovadas”.
Em nota lida durante a entrevista, os procuradores disseram que a votação da madrugada de ontem da Câmara foi “o começo do fim da Lava Jato”. “É o golpe mais forte contra a Lava Jato em toda a sua história”, disse Dallagnol. Para os procuradores, os deputados foram movidos por “um espírito de autopreservação”. “O objetivo é 'estancar a sangria'. Há evidente conflito de interesses entre o que a sociedade quer e aqueles que se envolveram em atos de corrupção”, disseram, em nota. Ainda afirmaram que a aprovação do crime de abuso de autoridade em meio às dez medidas “instaura uma ditadura da corrupção”.
Lei da intimidação
O procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato no Paraná, criticou a inclusão, no pacote anticorrupção, da possibilidade de que juízes e integrantes do Ministério Público respondam por crime de responsabilidade. “Está sendo aprovada a lei da intimidação contra promotores, juízes e grandes investigações”, disse no Twitter.
O texto aprovado na Câmara na madrugada de ontem, no entanto, é mais brando do que a ideia inicial articulada pelos deputados, que queriam que integrantes do Poder Judiciário respondessem por crime de responsabilidade, o que poderia levar até mesmo à perda do cargo.
Não se calará a Justiça, diz Cármen
A presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministra Cármen Lúcia, divulgou uma nota ontem em que lamenta a aprovação, pela Câmara dos Deputados, do projeto que torna crime o abuso de autoridade para juízes e procuradores.
A proposta foi aprovada durante a madrugada pelos deputados, como emenda às medidas de combate à corrupção, propostas pelo Ministério Público e aprovadas ontem com diversas alterações no plenário da Câmara.
A presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, ministra Cármen Lúcia, reafirma seu integral respeito ao princípio da separação dos poderes. Mas não pode deixar de lamentar que, em oportunidade de avanço legislativo para a defesa da ética pública, inclua-se, em proposta legislativa de iniciativa popular, texto que pode contrariar a independência do Poder Judiciário, diz a nota.
Cármen Lúcia destacou que o estatuto constitucional da magistratura já prevê a responsabilização de juízes por seus atos e que a democracia depende de poderes fortes e independentes. Ela afirmou que o Judiciário vem cumprindo seu papel constitucional como guardião da Constituição e da democracia.
Já se cassaram magistrados em tempos mais tristes. Pode-se tentar calar o juiz, mas nunca se conseguiu, nem se conseguirá, calar a Justiça, destacou a ministra.