Cotidiano

Premiado pela ABL, Ignácio de Loyola Brandão prepara romance sobre o Brasil

RIO – Prestes a completar 80 anos, em 31 de julho, Ignácio de Loyola Brandão vive um momento especial de sua carreira. Anteontem, o escritor paulista veio ao Rio para receber o Prêmio Machado de Assis, concedido pela Academia Brasileira de Letras (ABL) pelo conjunto de sua obra. Ele é autor de mais de 30 livros de contos, romances, crônicas e ensaios. Entre eles, estão obras marcantes da literatura brasileira, como “Zero” (1975), censurada pela ditadura por expor a violência do regime, e “Não verás país nenhum” (1982), uma fantasia distópica sobre o futuro do Brasil. Nesta entrevista, Loyola comenta seu próximo romance, “Desta terra nada vai sobrar a não ser o vento que sopra sobre ela”, e avalia a literatura brasileira atual.

Como o senhor se sente com esse prêmio pelo conjunto da obra?

Na cerimônia, fiz questão de homenagear no discurso os professores que me formaram. Minha primeira professora, Lourdes Prado, que me ensinou a ler e escrever, ensinou também minha primeira técnica literária. Ela dizia que, se o final de um texto espanta e surpreende, então ele foi bem-sucedido. Até hoje reviso os finais de meus contos, romances e crônicas para checar se estão de acordo com isso. Também não esqueço um professor de matemática, matéria da qual eu não entendia nada. No último exame do ano, eu precisava tirar 9.7 e preenchi a página com todos os sinais que conhecia, até o Pi. O professor me deu 10. Quando perguntei por quê, ele disse: “pela loucura, pelo delírio e pela fantasia — vai embora, Ignácio, que o teu mundo é o da imaginação”.

E como avalia, hoje, esse conjunto diversificado de obras que construiu nas últimas décadas, com romances, contos, crônicas e ensaios?

Quando os escritores falam de sua formação, citam Joyce ou Shakespeare. Eu não tive nada disso. Fui formado por meus professores e pelas histórias de aventureiros e corsários que amava ler. Para mim, literatura é narrativa. Meu avô contava histórias, minha tia contava contos da carochinha, eu tive um pai muito simples, um ferroviário pobre, que no entanto gostava de ler e me contava o que lia. Por isso, me vejo como um contador de histórias.

Esse impulso também teve implicações políticas, como quando o romance “Zero” (1975) foi censurado pela ditadura. Era como se sua vontade de contar aquelas histórias fosse uma ameaça ao regime. Quais são suas lembranças daquele episódio?

Era uma ameaça mesmo, porque “Zero” foi o primeiro romance que denunciou o que acontecia durante a ditadura: as torturas, as prisões, os desaparecimentos, a repressão, a dificuldade de viver, o medo constante que a gente sentia do inimigo sempre observando, vigiando e fiscalizando. A ditadura levou um ano e meio para descobrir e proibir. Enquanto isso, o livro foi lido. As pessoas às vezes dizem que “Zero” só vendeu bem porque foi proibido. Mas ele foi censurado há 40 anos e continua a ser lido até hoje, está na 40ª edição.

Outro romance daquela época que faz sucesso até hoje é “Não verás país nenhum” (1982), que saiu no início da redemocratização, mas tinha um olhar desencantado sobre o Brasil. Como ele surgiu?

É até hoje meu livro mais vendido e mais traduzido. Antecipou muitos temas que seriam debatidos nos anos seguintes, como a seca e o aquecimento global. Mas é claro que não previ nada, só fui exagerando o que via no país, inventava histórias a partir do que lia nos jornais.

Como avalia o trabalho das novas gerações de autores?

Acho que, com poucas exceções, falta enfrentar melhor a realidade do país. Ainda mais com todas as mudanças e os despautérios que estamos vivendo agora. Cadê a jovem geração refletindo sobre o que acontece? Foi o que a minha geração fez. Eu, João Ubaldo Ribeiro, Antônio Torres e outros botamos a cara a tapa e fomos em frente. As novas gerações não fazem isso. Talvez ainda estejam muito perplexas com o mundo.

O senhor continua a falar do país, inclusive em seu próximo romance. Como vai ser esse livro?

Não posso contar, porque se eu falar do texto ele vai embora (risos). Depois de dez anos, voltei a escrever um romance. O título é: “Desta terra nada vai sobrar a não ser o vento que sopra sobre ela”. Aí você já imagina o que vai ser. É sobre o Brasil. Tinha parado no meio, mas depois que ganhei o prêmio destravei.

Como se sente como escritor chegando aos 80?

Eu me sinto como sempre, com tesão de escrever. Tenho mil personagens na cabeça. No dia em que eu parar, é porque estou morto ou velho. E não estou morto, nem velho.