Cotidiano

Prefeitura de Niterói volta à mira do Ministério Público Eleitoral

NITERÓI – Um mês e meio antes do início da campanha eleitoral, a prefeitura de Niterói vem acelerando o ritmo do programa Prefeitura Presente, que realiza reformas e melhorias em praças na cidade. Desde o fim de maio, foram lançadas 17 licitações para obras em equipamentos esportivos localizados, sobretudo, em comunidades, com um gasto previsto de R$ 12,5 milhões. Questionado pelo GLOBO-Niterói, o procurador regional eleitoral, Sidney Madruga, afirmou que o Ministério Público eleitoral (MPE) vai investigar o possível uso eleitoral do programa.

O Prefeitura Presente foi criado em agosto de 2015, segundo a prefeitura. Do lançamento até maio deste ano, a iniciativa chegou apenas a seis localidades: Viradouro, Ititioca e aos morros da Boa Vista, do Santo Cristo, do Serrão e do Sabão. Segundo a prefeitura, “nestas localidades, foram feitos serviços de tapa-buracos, capina, limpeza de rios, canais e caixas de passagem, além de recuperação de praças, calçadas, podas de árvores e reformas de quadras esportivas”. Os reparos não representaram novos gastos à época, pois foram realizados por equipes de manutenção da prefeitura. Já as obras com licitações em curso preveem intervenções maiores, como a construção de alambrados, vestiários e até sedes de associações de moradores. Segundo a prefeitura, elas devem ser iniciadas em julho, com prazo de conclusão previsto para o período de outubro a dezembro.

Segundo o procurador regional eleitoral Sidney Madruga, a mudança pode indicar uso político das obras nas comunidades.

— Com base nessa notícia, a promotoria de Niterói vai instaurar um procedimento para apurar o caso. Se for comprovado que a maioria das obras foi deixada para o semestre eleitoral, pode haver indício de desvio de finalidade. Se não há explicação plausível para isso, pode haver abuso de poder econômico e político — avalia o procurador.

ESPECIALISTAS SE DIVIDEM

Não é só a concentração das obras no semestre eleitoral que chama a atenção. Em ao menos dois casos, a prefeitura organizou, nos últimos dias, eventos para o lançamento das reformas em praças da cidade. O prefeito Rodrigo Neves esteve acompanhado por vereadores e lideranças comunitárias no Barreto e em Maria Paula na semana passada. Na primeira localidade, lançou um pacote que inclui obras na Rua General Castrioto e requalificação de duas quadras e dois campos de futebol na região. Placas divulgando o programa foram instaladas em todos os postes da Rua Vasco de Freitas Barcelos, vizinha ao Horto do Barreto, um dos locais beneficiados com o investimento.

Já em Maria Paula, assinou a ordem de início para as obras na Praça da Saudade, localizada no Remanso Verde. No local, que passará por uma revitalização, também estiveram autoridades e pré-candidatos a vereadores.

Especialistas ouvidos pelo GLOBO-Niterói se dividem quanto à existência de irregularidades no incremento do programa Prefeitura Presente poucos meses antes da eleição. Vice-presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-RJ, o advogado André Miranda diz que a presença de candidatos em lançamentos de obras e inaugurações só é vedada a partir do dia 2 de julho. Segundo ele, fora desse período também é possível que existam irregularidades, mas é preciso ter provas.

— O governo é sempre um grupo político. Óbvio que se você admite reeleição, é inevitável que quem esteja no governo queira divulgar o grupo que está realizando aquela obra. Existe uma linha muito tênue entre fazer política de forma legítima e cometer abusos com o dinheiro público, que é quando você tira o caráter institucional da obra e concentra exclusivamente no governante. É uma aferição com uma carga muito subjetiva — avalia.

Carlos Cova, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e especialista em administração pública, lembra que a palavra final sobre o possível uso eleitoral das obras cabe ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE-RJ), responsável por julgar ações movidas pelo Ministério Público eleitoral. Entretanto, destaca que “coincidências não existem” quando o assunto é administração pública. Segundo ele, a utilização desse tipo de expediente é comum no país.

— Não deveria ser, mas é comum, ainda que praticado de forma velada. Quando isso ocorre, trata-se de amadorismo claro de gestões que não têm compromisso com a coisa pública, que não usam o planejamento governamental com efetividade, dando prioridade ao que deve ser prioritário — diz.

O procurador regional eleitoral Sidney Madruga também atesta que esse tipo de prática é comum. Segundo ele, cabe ao MPE reunir provas para sustentar ações judiciais.

— É uma prática usual, mas o mais difícil é provar a finalidade eleitoreira das obras. Daí a necessidade de haver uma investigação pelo MPE para comprovar isso. Temos que averiguar se houve, por exemplo, algum tipo de alteração no cronograma dessas obras — completa.

Morador do Remanso Verde, José Ricardo Chaves, de 49 anos, acompanhou o evento organizado para o lançamento da obra. Segundo ele, chamou a atenção dos moradores a presença de muitos políticos que atuam na região.

— O prefeito veio aqui com vários vereadores e candidatos que atuam aqui na região. Aparentou ser algo com fins políticos. Eram pessoas que sempre estão aqui. Algumas, inclusive, usam a praça para promover campeonatos de futebol e futevôlei — diz o morador.

Em nota, a prefeitura diz que o aumento expressivo no número de obras do programa se deve à disponibilidade de recursos: “Neste ano, em razão de questões orçamentárias, ele pôde ser ampliado e será expandido para localidades como Morro do Palácio, Maria Paula, Pimba, Figueira (Caramujo), Engenho do Mato, Barreto, Holofote, Coronel Leôncio, Vale Feliz (Engenho do Mato), Ilha da Conceição, Nova Brasília, Palmeira (Fonseca), Grota do Surucucu (São Francisco), Cavalão (São Francisco), Mineirinho (São Lourenço), Vintém (Santa Rosa), Castro Alves (Fonseca), que terão reformas de quadras esportivas e praças. No caso da Rua General Castrioto (Barreto), ela será transformada em um boulevard e ganhará uma ciclovia arborizada.” A prefeitura, entretanto, não respondeu a questionamentos do GLOBO-Niterói sobre a realização de eventos para o lançamento das obras com a presença de pré-candidatos a vereadores.

Em março, o MPE já havia determinado a abertura de investigação sobre outro programa. O procurador regional eleitoral, Sidney Madruga, entendeu que o Prefeitura Móvel apresentava indícios de ilícitos eleitorais, como abuso de poder político e uso da máquina pública. Na ocasião, O GLOBO-Niterói mostrou que o governo realizava diversos eventos públicos com a presença do prefeito Rodrigo Neves, de vereadores das áreas visitadas e secretários. Em duas das três localidades visitadas durante edições do programa, faixas espalhadas pelo bairro agradeciam ao prefeito e a vereadores pelas melhorias.