Escalado para uma mesa intitulada ?Síria mon amour?, ao lado de uma jornalista que viajou ao Oriente Médio para escrever sobre guerra e a crise dos refugiados, com a promessa na programação de tratar dos ?dramas de pessoas comuns escondidos sob os horrores da geopolítica?… Enfim, escalado para falar de política, o sírio Abud Said não gosta de falar de política.
A insistência foi grande. As recusas, constantes.
Links Flip Mesas dia 3? Eu odeio que as pessoas façam relação do que eu escrevo com a Revolução Síria. Não há relação alguma, a revolução simplesmente aconteceu durante o tempo em que eu escrevia. Não gosto que as pessoas me vejam como algo maior do que sou por causa da Revolução ? disse Said, em entrevista ao GLOBO no café de uma livraria de Paraty.
A mesa de Said, um debate com a jornalista Patrícia Campos Mello, será realizada amanhã, às 10h. Além da política (ou não), o que o trouxe à Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) foi o lançamento de ?O cara mais esperto do Facebook? (editora 34), um livro que reúne posts escritos por Said em sua página na rede social. Em 2009, antes mesmo da Revolução Síria, ocorrida em 2011, ele começou a escrever no Facebook textos irônicos, alguns em forma de poema, em que trata de sua rotina, fala de parentes e faz considerações sobre a vida.
As mensagens podem ser desde ?Tem um terrorista bonito em frente à nossa casa? até ?Eu fumo Marlboro/ Irritada, minha mãe pergunta: isso é caro, não?!?. No campo da rede social destinado a uma descrição sobre suas visões políticas, ele colocou: ?O chinelo da minha mãe é mais bonito que qualquer pensamento e mais importante que a União Geral das Mulheres?.
Eventualmente, ele cita celebridades (?O deus que criou Paris Hilton é o mesmo que me criou????), descreve pensamentos fúteis (?Será que a geladeira dela é lisa como a nossa, ou coberta de ímãs de vegetais e frutas??) ou faz brincadeiras com o próprio Facebook (?Juro que se não fosse o meu medo da solidão facebookiana, eu excluía meus amigos um a um?).
Links Flip Serviço? Eu não gosto de falar como se fosse uma voz síria. Eu escrevo sobre minha vida, e na minha vida você encontra amor, meu trabalho e também política. Mas não sou uma pessoa política ou um escritor político ? afirma Said.
Ao longo de seus posts, porém, fica clara a influência da revolução em sua vida ? certamente uma influência compartilhada com todos os sírios. Ele próprio deixou o país e se mudou para Berlim depois da chegada do Estado Islâmico à Síria, em 2013. E continuou postando seus textos em árabe, até acumular mais de 10 mil seguidores na rede social.
? Eu não sei se tenho fãs ou não. Eu só escrevo o que está na minha cabeça. E também não sei o que é literatura, não sei se faço literatura. Mas algumas pessoas gostam do meu jeito, e continuo porque as reações das pessoas são boas ? explica. ? Tenho alguns fãs que são sírios, alguns amigos da vida real. Mas não sou muito famoso, você não vai encontrar duas pessoas conversando sobre mim na rua.
Foi seu Facebook e a consequente edição de seu primeiro livro de coletânea de posts que fez com que sua editora em Berlim e sua tradutora alemã conseguissem asilo político em outubro de 2013. Pouco depois, em fevereiro de 2014, o irmão foi morto na Síria pelo Estado Islâmico. Sua mãe vive, hoje, como refugiada na Turquia.
Abud Said, afinal, tem muito mais política em sua história do que admite:
? O Facebook é um mundo fake, não vejo o porquê de fazer relação do meu Facebook com a Revolução Síria. Há gente que realmente vive a revolução no Facebook, de jeitos diferentes, às vezes bom, às vezes ruim. E outras pessoas que apenas leem, fazem vídeos, escrevem posts. Sou um desses.