TOUROS (RN) ? Filho de peixe, peixinho é. Mas filho de pescador… não se tem mais certeza. A colônia tradicional de pescadores da bela praia de São José, em Touros, a 93 quilômetros de Natal (RN), está minguando. Os jovens não querem mais saber da rede de pesca. Buscam outra rede. A de wi-fi. A internet ? culpam os mais velhos ? tem tirado a meninada do caminho do mar.
? Não quis seguir o meu pai. É uma profissão perigosa em alto mar ? justifica o estudante Francisco Tarquini, 15 anos, indefinido ainda sobre qual profissão abraçar no futuro.
Francisco faz parte de grupos de jovens, a maioria filho ou neto de pescadores, que diariamente se aglomeram nas pedras próximas a pousadas e restaurantes na orla de São José. O desafio é conseguir a senha do wi-fi. Tarefa que exige a boa lábia da garotada.
? Quando não é na escola que tem wi-fi, é nas pousadas, nos restaurantes. (O problema) é que tem os que não querem dar (a senha). Geralmente: ?Ah, não posso e tal?. Tem outros que abrem mão e dão a senha. Aí, é muito bom ? resume Alessandra Modesto da Silva, de 15 anos, uma das mais ativas no grupo de internautas da praia.
A senha obtida por um jovem é logo compartilhada. Os empresários trocam a senha com frequência. A redução de usuários melhora a qualidade do acesso para os clientes.
? A praia chega a ficar lotada no fim da tarde, com mais de 30 garotos, tentando entrar na internet em seus celulares. Eles são os pescadores duplamente sem rede. Não tem rede de pescar nem a rede wi-fi ? brinca o empresário Carlos Ferreira, dono de um restaurante de frente para a praia, que costuma ceder a desejada senha para os internautas da orla.
REDE AMIGA
Sem internet em casa, Alex Carlos da Silva, de 16 anos, recorre ao wi-fi compartilhado pelos amigos.
? O jeito é buscar a rede wi-fi na rua ou na praia. Meu amigo trabalha em uma pousada e consegue a senha para mim ? admite ele, oriundo de uma família de agricultores.
O jovem, que pratica surfe, é estudante do primeiro ano do Ensino Médio e sonha ser jogador de futebol. Se não conseguir sucesso nos gramados, pretende fazer um curso profissionalizante. A pesca, que já foi uma das principais ocupações na região, é carta fora do baralho. É na internet que prefere navegar.
? Acho importante entrar na internet. Há coisas que só encontramos lá ? justifica.
O amigo Gustavo Freire, de 15 anos, é outro que não se sentiu atraído pela pesca.
? Meu avô era pescador. Meu pai e eu já não curtimos a profissão. Fico também preocupado com a pesca indiscriminada, que pode acabar com muitas espécies. Pretendo ser policial ? observa Gustavo, na nona série do Ensino Fundamental, que mora em Natal e passa os fins de semana no balneário.
As limitações locais da rede wi-fi resulta em uma navegação travada, em geral baseada em serviços de mensagens, como WhatsApp e Messenger. Quando o sinal está mais forte, é possível assistir a vídeos.
? Faço pesquisas, trabalhos da escola, acesso redes sociais, tudo ? conta Wellington dos Santos Silva, de 15 anos, decidido a seguir carreira diferente da do pai.
Estudante do primeiro ano do Ensino Médio, Wellington demonstra interesse pela biologia. Também pudera. Em suas pesquisas na internet, comprovou o que o pai já comentava na volta das pescarias cada vez menos fartas.
? O ser humano com certeza não tem noção do que está fazendo com o meio ambiente. E vai acabando cada vez mais com a vida na água, no mar. Meu sonho é terminar os meus estudos e me formar em biologia ? assinala.
ÚLTIMO BARCO
É difícil para o pescador fazer o filho seguir no mesmo barco. Um dos resistentes da colônia, o pescador Francisco Marco Gomes, de 49 anos, embora não tenha filhos, sabe que a pesca perdeu o poder de atração para os mais jovens.
? Os pais não querem que os filhos sejam pescadores. As pescarias já deram muitos recursos para criar essa nova geração. Eles querem que agora os filhos estudem para aprender outras coisas: as tecnologias que hoje são mais avançadas ? conta Francisco.
O hoje jardineiro Alderi Damião Dias do Nascimento, de 43 anos, está aliviado. O filho, de 12 anos, e o enteado, de 14, não querem seguir a profissão do apóstolo Pedro. Um deles manifesta interesse em fazer direito. A pesca era uma tradição famíliar. Hoje, só o irmão continua em colônia vizinha.
? Comecei a trabalhar na pesca aos 17 anos, mas parei aos 30 anos. Não quero não. Não dá mais. Quem sai para pescar, volta reclamando ? justifica.
Francisco Ribeiro da Silva, o Quincas Caiana, de 63 anos, é dono do último grande barco da colônia de São José. Ele começou a pescar aos 13 anos. Eram mais de 20 barcos pesqueiros na região.
? Já adulto, comprei uma navegação pra mim. Era um bote que de ano em ano tinha de ser trocado. As coisas melhoraram e comprei a primeira jangada ? diz.
O pescador teve dois filhos. Um deles, doente, não pode trabalhar. O outro aderiu à pesca, mas morreu em acidente de moto. Mas Francisco não desiste da profissão, mesmo com todo o esvaziamento da colônia.
? Nasci e me criei na pesca. Vou morrer e deixar o que eu herdei da pesca. Minha profissão é muito boa e vou honra-la até morrer ? conta.
A Alessandra, já citada antes como uma das mais ativas no grupo da praia, tem uma explicação para os dois irmãos mais velhos, um de 25 e outro de 21 anos, não terem seguido a profissão do pai.
? Acho que meu pai seguiu aquela carreira porque antes não tinha esta conectividade que a gente tem com as outras cidades. Por isso, os meus irmãos não quiseram a mesma profissão que o meu pai ? avalia ela, que planeja ser professora de geografia ou de inglês.
Os jovens aspiram um futuro longe das redes de pesca. Mas perto da rede wi-fi.
? A conectividade agora é tudo, para todos ? completa Alessandra.