Cotidiano

Pedido de Lula de R$ 1 milhão é tentativa de intimidar procurador da Lava-Jato, diz AGU

BRASÍLIA – Em parecer entregue à Justiça paulista, a Advocacia Geral da União (AGU) afirmou que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenta intimidar o procurador da República Deltan Dallagnol ao pedir R$ 1 milhão em indenização por danos morais. Dallagnol, que integra a força-tarefa da Operação Lava-Jato, assinou a denúncia que levou Lula a se tornar réu no processo que investiga a aquisição de um apartamento tríplex no Guarujá, no litoral de São Paulo. A AGU também argumentou que a independência e o funcionamento do Ministério Público serão comprometidos se seus integrantes forem alvos de retaliações dos acusados.

A AGU é responsável por defender os servidores federais em processos decorrentes de atos de seu trabalho, como é o caso de Dallagnol. Para o órgão, o pedido de indenização se soma às tentativas dos advogados de Lula de retaliar os investigadores com representações no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Até agora, o CNMP não deu prosseguimento a nenhuma dessas representações.

?Ao tentar fazer o réu responder a uma ação com pedido de indenização exorbitante, o autor visa interferir nas decisões e medidas adotadas no âmbito da Operação Lava-Jato, criando um receio generalizado de que as ações legítimas contra o autor estarão sujeitas a fortes reações. O verdadeiro fim é intimidar e retaliar, e não compensar o dano moral dito abalado?, diz trecho do documento da AGU, que está atuando no caso a pedido do próprio Dallagnol.

O procurador da República protagonizou a entrevista coletiva em que foi apresentada denúncia, em 14 de setembro do ano passado. Na ocasião, foi mostrado um gráfico com 15 diagramas. Um deles, em posição central, trazia o nome de Lula. Os outros 14, localizados na borda, tinham setas que levavam para o diagrama central e diziam, entre outras coisas: “mensalão”, “José Dirceu”, “petrolão + propinocracia” e “enriquecimento ilícito”.

A AGU entendeu que a divulgação da denúncia obedeceu o princípio constitucional da publicidade e uma portaria da Procuradoria-Geral da República (PGR) que impõe ao Ministério Público Federal (MPF) o dever de divulgar sua atuação em casos de grande alcance. Opinou ainda que, durante a entrevista, Dallagnol não atacou a imagem de Lula.

?Almejou-se, sim, explicar com os detalhes necessários o esquema criminoso atribuído ao autor na prática dos crimes imputados na acusação. A finalidade, portanto, era proporcionar explicações mais didáticas sobre os fatos investigados. Desse modo, os objetivos estritos da entrevista foram informar a sociedade, dar transparência à atividade do Ministério Público e prestar contas à população em caso de grande alcance nacional e internacional?, argumentou a AGU.

O caso tramita na 5ª Vara Cível de São Bernardo do Campo, na Região Metropolitana de São Paulo, onde Lula mora. Segundo a AGU, a Constituição e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) estabelecem que a administração pública é que deve responder por eventuais danos e, num momento posterior, buscar o ressarcimento junto ao agente.

?Se assim não fosse, o acusado ficaria exposto pessoalmente a sanções por parte dos acusados, e a função de acusar pessoas pela prática de violações penais ficaria indubitavelmente inviabilizada. Ou seja, o governo pela lei (rule of law) estaria profundamente comprometido. Não há, portanto, Estado de Direito sem que o Estado proteja o acusador contra retaliações, intimidações e ações judiciais dos seus acusados?, destacou a AGU.

O órgão também pediu a condenação de Lula para pagar os honorários advocatícios em valores que podem ir de 5% a 20% da causa. Ou seja, ao final, em vez de receber R$ 1 milhão, o ex-presidente pode ser obrigado a pagar R$ 50 mil ou R$ 200 mil. O valor pedido por Lula na indenização, diz a AGU, não é pago nem em caso de morte.

A ação foi protocolada em 15 de dezembro do ano passado. Em nota publicada na época, os advogados de Lula alegaram que Dallagnol, “sob o pretexto de informar sobre a apresentação de uma denúncia criminal contra Lula, promoveu injustificáveis ataques à honra, imagem e reputação de nosso cliente, com abuso de autoridade”.

“Nenhum cidadão pode receber o tratamento que foi dispensado a Lula pelo procurador da República Dallagnol, muito menos antes que haja um julgamento justo e imparcial. O processo penal não autoriza que autoridades exponham a imagem, a honra e a reputação das pessoas acusadas, muito menos em rede nacional e com termos e adjetivações manifestamente ofensivas”, diz outro trecho da nota da defesa de Lula divulgada em dezembro.