RIO ? À porta de entrada da Galeria Nara Roesler, em Ipanema, um adesivo de 2,6 metros no chão avisa: ?Atenção, cuidado com o vão entre o trem e a palavra?. A obra de 2008 do pernambucano Paulo Bruscky foi concebida no Rio, quando, depois de almoçar com um amigo em Botafogo, pegou o metrô e se deparou com o aviso na plataforma.
? Já estava pronto ali ? diz Bruscky, um acumulador de objetos inúteis e imagens que vai apanhando pela rua. ? Estou sempre alerta, ando muito aguçado. Essas coisas que vou pegando são um exercício de deseducação. Muito cedo aprendi a me deseducar esteticamente, para pensar em arte.
Olhar arguto, ironia e humor estão presentes na mostra ?rec/rio?, sua primeira exposição comercial no Rio, cidade que ele confessa amar, e para onde, nos anos 1970, produziu grande parte de seus trabalhos. Era uma época em que floresciam os salões de arte. ?Tiro ao alvo? (1971-2016), por exemplo, projeto mais antigo na mostra, foi concebido para I Salão de Arte da Eletrobras, e recusado. A obra ? espelhos que refletiam uma luz que, por sua vez, se projetava e acionava um rádio como resultado final ? foi realizada pela primeira vez agora.
? Não me surpreendeu a recusa na época ? conta Bruscky. ? Criei uma obra que acionava um dispositivo através da energia fotoelétrica, para uma mostra patrocinada por uma empresa de energia elétrica.
Também estão lá projetos pensados para edições do Salão de Verão do MAM, como ?Abre e cheire a primeira lembrança é arte? (1975), ou ainda o Salão Nacional de Artes Plásticas da Funarte. Um dos trabalhos de que o artista mais gosta é ?Fernando de Noronha: poluição marco zero? (1988), proposto para a I Bienal de Escultura ao Ar Livre do Rio de Janeiro, na Escola de Artes Visuais do Parque Lage. A exposição traz o projeto original encadernado: uma grande rocha da ilha envolta em gelo.
? A ironia e o humor estão sempre presentes no meu trabalho, e acho que isso me identifica com os cariocas ? diz ele, cujas andanças e passagens pelo Rio estão presentes em outras peças, como ?Quebra-cabeças (escada rolante para o céu)?, de 2009-2010, onde se vê o céu do Catete da perspectiva de quem sai da estação do metrô.
ARTE PARA NÃO ENLOUQUECER
A identificação com o Rio também está presente no trabalho alinhado com a arte conceitual que se fazia aqui.
? Na época, Recife era um bastião do regionalismo, e o Bruscky fazia algo totalmente desenraizado ? diz Fernando Cocchiarale, curador do MAM, que assina o texto de apresentação da exposição.
Na mostra há ainda exemplares da arte-postal, da qual foi pioneiro no país, objetos e poemas sonoros, como ?Paisagem sonora para lagerio? (2010). O mais recente trabalho é ?Silêncio ? Uma homenagem a Tunga (o silêncio de Tunga é maior que o grito de Munch)?, colagem sobre papel criada no dia da morte do artista, em junho deste ano.
Com 55 obras, a exposição faz o visitante mergulhar no universo experimental de Bruscky com o bônus de um curta-metragem de Walter Carvalho lançado este ano. Nele, o artista de 65 anos, com carreira iniciada no fim da década de 1960 e cuja primeira obra foi vendida há apenas sete anos, assevera:
? Faço arte para não enlouquecer.
?rec/rio?
Onde: Galeria Nara Rua Redentor 241, Ipanema (3591-0052).
Quando: Segunda a sexta, das 10h às 19h; sábado, das 11h às 15h. Até 27/9.
Quanto: Grátis.
Classificação: Livre.