RIO – Os primeiros indícios de que o pastor Felipe Garcia Heiderich abusava do enteado
de 5 anos foram denunciados por uma babá em 2014. Na época, ela contou que
encontrava a criança sem fralda no berço e que via Felipe entrando no quarto do
menino durante a madrugada. Mas nem passou pela cabeça da mãe, a pastora Bianca
Toledo, que aqueles relatos da rotina doméstica indicariam um caso de estupro. O
casamento, considerado perfeito dentro da comunidade evangélica, só começaria a
ruir no mês passado, quando Bianca passou a desconfiar do comportamento do
marido, que se recusava a manter relações sexuais com ela.
Depois, numa conversa com o filho, ouviu da criança que,
durante suas viagens, ele dormia na cama com o padrasto. A história toda,
segundo ela, ?foi horrível?. Detalhes desse drama familiar foram revelados nesta quinta-feira
por Bianca, que na terça-feira anunciou no Facebook, onde mantém mais de três
milhões de seguidores, a prisão do marido por pedofilia. Felipe está isolado
numa cela do complexo de Gericinó desde terça-feira.
Os dois, pastores da Aliança Mundial de Evangelização e
Ensino (AME), estavam casados desde outubro de 2013. Segundo ela, na época em
que a babá a alertou, seus relatos foram rechaçados por Felipe.
? Nós nos amávamos muito, e quando a babá me contou
essas coisas, começou a me alertar, ele passou a odiá-la e a dizer que as
histórias eram inventadas. Um ano depois, ela parou de cuidar do meu filho ? diz
Bianca.
Com seis meses de casados, a pastora diz que Felipe passou a dar desculpas
para não ter relações sexuais com ela:
? Ele sempre dava desculpas de que estava com algum tipo
de doença e, no mês passado, passou a dizer que estava com uma suspeita de tumor
na hipófise.
Foi quando ela marcou uma consulta para o marido:
? Ele falou que queria ir sozinho para falar sobre
coisas do passado da vida dele, que não queria que eu escutasse. Quando voltou,
disse que estava diagnosticado com a doença, mas não mostrou nada comprovando
isso. Foi aí que passei a desconfiar dele. Liguei para a médica, que me disse
que ele tinha mentido. Contou também que meu marido tinha dupla personalidade e
que era homossexual.
Nesse momento, Bianca lembrou dos avisos da babá e foi conversar com o
filho:
? Tentei tratar o tema de forma bem lúdica. Perguntei onde ele dormia quando
a mamãe viajava. E ele disse que era na cama junto com o papai. Perguntei também
se alguma vez o papai tinha dado banho nele. E o relato foi horrível.
REVELAÇÕES NA TERAPIA
Ela levou o filho ao terapeuta. Mas, para não levantar
suspeitas do marido, teria fingido que acreditava na doença.
? Na primeira consulta, ele (a criança) disse que tinha
muitos segredos a contar. Mas somente na segunda consulta entrou nos detalhes.
Eu gravei tudo.
No dia 13 de junho, com orientação de advogados, ela
teria confrontado o marido. De acordo com Bianca, ele admitiu ser homossexual e
estaria tentando ?se curar?. Ela, então, saiu de casa com o filho para um hotel.
Depois, Felipe teria simulado uma tentativa de suicídio.
? Ele mandou uma mensagem para um amigo dizendo que
tinha desistido da vida e que iria se matar. Ao chegarem ao apartamento,
encontraram fotos minhas e do meu filho espalhadas pelo chão e uma carta em que
ele dizia que tinha tomado duas caixa de tranquilizante ? contou Bianca.
O pastor foi levado para a Unidade de Pronto Atendimento
(UPA) da Barra e, depois, para uma clínica psiquiátrica.
? Lá, ele foi diagnosticado com dupla personalidade e
transtornos. Eu queria que ele ficasse internado, mas meu advogado me disse que,
se eu não denunciasse o caso à polícia, seria cúmplice. No mesmo dia fui à
delegacia ? afirma a pastora.
Segundo um tio paterno do menino, Felipe fazia de tudo para deixar o enteado
o mais longe possível do pai.
? O pai verdadeiro era barrado na portaria e a gente passou a ter que
encontrá-lo somente com a babá ? disse o tio Júnior Pimentel.
No pedido de prisão, endossado pelo Ministério Público, a delegada Cristiana
Bento, da Delegacia da Criança e do Adolescente Vítima (Dcav), diz que o pastor
mostrou ?alto grau de perversão”. Pelas investigações, que levaram em conta
avaliações psicológica e psiquiátrica da criança feitas por dois profissionais,
os abusos ocorriam durante o banho do menino. No pedido da delegada, ela
ressalta que ?o indiciado é acusado de ter cometido crime gravíssimo, inclusive
considerado hediondo”.
Felipe, de 35 anos, foi detido na segunda-feira e levado no dia seguinte para
Gericinó. Sua prisão, determinada pela 17ª Vara Criminal do Rio, tem prazo de 30
dias. Anteontem, uma solicitação de habeas corpus foi negada. Advogado do pastor, Leandro Muser nega que ele tenha
confessado o crime.
? Não é verdade que ele tenha tentado suicídio. Essa
história é mentira. Ele também não confessou nada, nenhum abuso ? rebateu Muser,
afirmando que, por enquanto, não entrará com outro pedido de liberdade para
Felipe, que estaria calmo. ? Ele está triste, mas quieto. Está se
alimentando.