A crise política e econômica por que passa o país vem provocando uma deterioração contínua do mercado imobiliário. Se, por um lado, afeta direta e violentamente as incorporadoras, por outro, deixa ainda mais descoberto o lado mais fraco da relação: os mutuários.
Os cidadãos que adquiriram um imóvel na planta são vítimas do descumprimento de uma lei, por parte das construtoras, que deveria garantir proteção para esses mutuários.
Trata-se da lei 10.931, de 2004, criada para minimizar riscos e aumentar a segurança dos mutuários que adquirem imóvel na planta, definindo o que é chamado ?patrimônio de afetação?. Segundo esta lei, as incorporadoras que optarem por este instrumento jurídico recebem benefícios fiscais e, em contrapartida, são obrigadas a manter, por exemplo, uma conta corrente única daquele empreendimento, permitindo que os interessados tenham acesso e saibam que aquela conta é exclusiva e não será utilizada com outros negócios da incorporadora.
Assim, no caso de dificuldades financeiras, o patrimônio do mutuário estará intacto e poderá ser resgatado sem prejuízos. Além disso, a lei determina que seja instituída uma comissão de representantes dos mutuários para fiscalizar e acompanhar o patrimônio de afetação. Mas, na prática, nada disso ocorre.
As incorporadoras não têm o hábito de criar essas comissões exigidas por lei e, assim, aos consumidores não é permitido o acesso às informações contábeis e financeiras de seus empreendimentos cujo patrimônio legalmente está afetado.
Importante lembrar que a legislação em questão foi criada na esteira dos estragos causados pela falência da Encol, que provocou paralisação de centenas de obras em todas as regiões do país e deixou dezenas de milhares de famílias sem a casa própria no final dos anos 90.
O incentivo fiscal se tornou unicamente instrumento de redução de custos tributários e de estímulo do governo ao setor imobiliário. Não há qualquer fiscalização da Receita Federal para saber se, de fato, os incorporadores afetaram os empreendimentos nos quais gozam do benefício fiscal e se os consumidores estão com seu patrimônio protegido. O benefício representa uma renúncia fiscal anual de cerca de R$ 2,4 bilhões. O descumprimento da lei deve implicar na perda imediata desses benefícios.
Essa medida, além de cumprir a lei, permitiria uma receita extra importante para os cofres públicos num momento em que a economia está instável, e não há previsão de melhora no quadro no curto prazo. Enquanto o Brasil amplia o gasto com os subsídios e incentivos ao setor privado ? segundo a FGV, os incentivos passaram a representar 6,2% do PIB, ante 4,2% em 2008 ?, a economia sucumbe, e alguns setores ganham sem oferecer nada em troca à sociedade.
O incentivo fiscal oferecido às incorporadoras e que tem se mostrado sem utilidade aparente, a não ser o enriquecimento de uma classe empresarial específica, pode representar muito mais do que apenas um descumprimento da lei e uma perda de arrecadação. Pode ser uma nova Encol. O Brasil não pode permitir que isso aconteça de novo.
Elpidio Alves Pinheiro é engenheiro civil