BRASÍLIA ? Em voto proferido nesta quarta-feira, o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou que o pai biológico tem obrigação de dar ao filho o sobrenome, pensão alimentícia e herança, mesmo que outro homem tenha registrado a criança. Dez ministros ainda vão votar no processo que definirá se a paternidade socioafetiva prevalece sobre a biológica. Para Fux, as duas paternidades podem ser reconhecidas, sem haver hierarquia entre elas. O caso tem repercussão geral ? ou seja, juízes de todo o país deverão repetir a mesma decisão no julgamento de processos semelhantes.
? A paternidade socioafetiva, declarada ou não no registro civil, não impede o vínculo de filiação concomitante, baseado em vinculo biológico ? afirmou o ministro ao votar.
Antes de começar a votação, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, defendeu que não haja prevalência de um tipo de paternidade sobre outro, porque seria necessário averiguar caso a caso, para saber o que era melhor para o filho. Janot ainda afirmou que um exame de DNA, por si só, não pode indicar quem é o pai da criança, porque a circunstância socioafetiva deve ser levada em consideração.
? Os vínculos familiares são vários e podem se formar de várias formas. Não pode ter prevalência de paternidade socioafetiva ou da biológica ? argumentou Janot.
Sobre o caso concreto, ele ressaltou que o pai biológico não teria o direito de dizer quem é o pai de fato, porque essa seria uma prerrogativa da filha. Ele negou o recurso do pai biológico e recomendou que o STF o obrigasse a pagar pensão alimentícia à filha. Alegou que, conforme a Constituição Federal, um pai não pode se negar às obrigações da paternidade.
Antes do procurador-geral, o advogado Ricardo Lucas Calderón, do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), também sustentou sobre a impossibilidade de hierarquização dos tipos de paternidade. Para ele, seria necessário o reconhecimento de todas as paternidades e, nos casos concretos, o Judiciário analisaria a melhor solução para o impasse. Calderón também defendeu a impossibilidade de se desconstituir formalmente a paternidade socioafetiva apenas com base em um exame da DNA. Seria preciso considerar outros elementos, se for o caso de substituir o pai socioafetivo pelo biológico no registro civil.
O processo analisado pelo STF foi ajuizado por uma mulher hoje com 33 anos de idade. Aos 18, ela descobriu que não era filha biológica do homem que constava em sua certidão de nascimento como pai. Em 2003, quando ela tinha 19 anos, entrou na Justiça pedindo a troca do registro, com a inserção do nome do pai biológico. Ela também queria receber pensão alimentícia do pai biológico. O Tribunal de Justiça de Santa Catarina determinou que a paternidade genética devesse prevalecer. Mas a defesa do pai biológico recorreu ao STF. Argumentou que o pai socioafetivo deveria continuar sendo o pai de fato, inclusive para questões financeiras.
Três exames de DNA comprovaram a paternidade, fruto de um relacionamento extraconjugal. No nascimento, a autora do processo foi registrada pelo marido da mãe. Foi a mãe quem decidiu revelar a identidade genética à filha quando ela atingiu a maioridade. O pai biológico só soube que tinha uma filha quando o caso passou a tramitar na Justiça. No processo, o pai socioafetivo declarou que continuaria sendo o pai de fato. A filha declarou o mesmo. No entanto, ambos concordaram que era justo exigir a participação do pai biológico.