Com o tempo, não escapará de ser o que sempre foi, por Lauro Jardim
Lula superou uma rejeição arraigada e, depois de três tentativas, virou presidente. Marcelo Crivella seguiu a mesma trilha. Perdeu duas eleições para o governo e três para a prefeitura. Insistiu. Ontem, finalmente, triunfou. As explicações para sua vitória são muitas, mas o ponto principal é: a rejeição a Crivella arrefeceu.
Ainda que não tenha conseguido manter o jeitão ?paz e amor? neste segundo turno, quando mostrou os dentes pontiagudos, dobrou resistências. Seja da classe média católica que sempre torceu o nariz para ele; seja dos evangélicos de outras denominações fora da Universal.
A partir de 1º de janeiro, reinaugura-se no Rio uma era de populismo que vai lembrar muito a de Anthony Garotinho no governo do estado. Ele e Crivella fazem política em diapasão parecido: populismo e clientelismo com pitadas de parábolas religiosas na hora de se comunicar.
Não deve se esperar de Crivella ousadia na administração. Quando foi ministro da Pesca de Dilma, não deixou quaisquer marcas neste sentido. A cartilha do futuro prefeito é outra, mais próxima do cheque-cidadão de Garotinho.
Ao menos neste início, ao contrário do que fez como ministro, Crivella não deve encher a administração municipal de bispos licenciados da Universal. Tomará alguns cuidados nesse ponto.
É quase certo que terá como secretários dois adversários do primeiro turno, Carlos Osorio e Indio da Costa. (Prudente, Crivella não chamou Flávio Bolsonaro para sua equipe).
Tem conversado com empresários e abriga em sua equipe de campanha até gente de esquerda ? assim como Garotinho, de quem parece copiar a moldura, que iniciou o governo com Luiz Eduardo Soares na Segurança. Logo, Soares foi demitido e nenhum verniz de esquerda restou ali.
Crivella caminha nesse sentido. Ampliou o leque de apoios ? o que é um mérito ? mas dificilmente ao longo do governo conseguirá escapar de ser o que sempre foi. E os dias finais da campanha foram uma prova disso.
A hora da verdade, por Zuenir Ventura
A principal crítica que Marcelo Crivella fez a Eduardo Paes na campanha foi ter ?optado pelas grandes obras, esquecendo as pessoas?, as quais, por isso, seriam a prioridade no seu projeto de ?um Rio mais humano?. Já que se elegeu, sua tarefa agora é descer do palanque e substituir a propaganda pelos fatos, as promessas pelas providências, os diagnósticos pelo tratamento. É a hora da verdade, em que terá de conquistar a confiança dos infiéis, isto é, dos mais de três milhões que se recusaram a votar nele, preferindo ou o adversário, o voto em branco, nulo ou a abstenção. E essa conversão não pode ser operada com pregação, em que por dever de ofício é mestre, mas com medidas práticas, detalhadas, concretas, a favor das ?pessoas? nas áreas de educação, saúde, segurança, para só citar as mais precisadas.
Para a prometida criação de 20 mil vagas em creches e 40 mil novas vagas em pré-escola até 2020, por exemplo, a proposta é a prefeitura entrar com a parte pedagógica e a merenda, enquanto a construção e a manutenção ficariam por conta das PPPs. Tudo bem, mas tem que combinar antes com os parceiros privados, se é que já dispõe de algum. Outra proposta ambiciosa refere-se ao investimento de R$ 1 bilhão para reestruturar a saúde ao longo de quatro anos. Para obter recursos, ele diz que não vai gastar com grandes obras. Será que só essa economia basta?
Crivella terá pela frente pelo menos dois sérios desafios. O primeiro é o da crise fiscal que ameaça os municípios em geral. E o segundo é provar sua competência como administrador. Eduardo Paes, chamado a opinar, usa a avaliação das agências de risco para garantir que a situação do Rio é ?invejável?, pois estaria com a dívida baixa, folha sob controle e capacidade de investimentos. ?Mantivemos em todos esses anos a nota máxima da S&P, da Fitch e da Moody?s?. A permanência desse quadro, segundo ele, vai depender da capacidade de gestão do seu sucessor. ?A casa está arrumada?, assegura, o que faz supor que não pode haver herança maldita como desculpa.
A população precisa circular, por Jorge Bastos Moreno
Espero do prefeito eleito o óbvio, ou seja, que ele cumpra seu dever de administrar a mais bela cidade do país, priorizando os direitos coletivos dos cidadãos. Para isso, a melhora e implantação de novos serviços públicos são fundamentais.
Depois de oito anos de parceria entre os governos federal, estadual e municipal, assistimos agora ao fim da aliança política desse triunvirato, que inegavelmente trouxe benefícios à cidade. Institucionalmente, ela deve ser mantida dentro das regras federativas. Teoricamente, portanto, nada muda. Mas a prática demonstra que as coisas não são como deveriam ser. Nos três níveis de governo prevalece a visão torpe do ?aos amigos, tudo; aos adversários, nada?. Não está se pedindo que cada um abra mão de suas convicções políticas, apenas que elas não interfiram no atendimento dos interesses públicos.
Nesse sentido, é preciso transformar as políticas públicas corretas e exitosas não em patrimônios de governantes e partidos, mas do Estado, para que, nas mudanças de cadeiras, não sofram soluções de continuidade. Portanto, obras como a extensão do metrô até a Gávea, por exemplo, devem ser concluídas e outras linhas de transportes, ampliadas.
O monumental Centro de Operações da prefeitura, responsável pelo controle do trânsito e pela fiscalização da segurança, deve ser aprimorado e harmonizado com o do estado. O controle do trânsito tem se demonstrado ineficaz. É clássica e vergonhosa a constatação de que um embaraço de trânsito em qualquer ponto do Rio congestiona a cidade toda. E há sinais de trânsitos totalmente dessincronizados, para citar casos aparentemente banais.
Ainda sobre transportes, é urgente a renovação da frota de táxis e uma reeducação dos motoristas, muitos sem preparo para conduzir passageiros: destratam, andam com rádio em volume alto, odor de tabaco nos veículos. Isso quando não demonstram sinais de embriaguez. Essas são algumas das causas que levam os passageiros a migrar para o Uber.
Fixei-me na mobilidade urbana, setor de que mais preciso, deixando temas fundamentais, como saúde, educação e habitação, para especialistas.
Exigências, expectativas e anseios, por Nelson Motta
No Brasil de hoje, o mínimo que se exige de qualquer prefeito é não roubar, não deixar roubar, não mentir.
Exige-se também não misturar política e religião. E as duas com dinheiro. Principalmente dinheiro público. E não gastar mais do que arrecada, porque é crime.
E não bater na mulher. Nem deixar que batam nas outras.
Espera-se do novo prefeito que escolha seus colaboradores sem fisiologismo e toma lá dá cá, que valorize mais a competência do que os padrinhos, que instaure a meritocracia na prefeitura. Bem, aí já é esperar demais, mas não custa sonhar. Quem sabe Jesus faz o milagre.
Que respeite a oposição, aceite críticas justas, se responsabilize por seus erros. Que seja esperto para encampar bons projetos da oposição, com grandeza e espírito público. Não há bom governo sem boa oposição. Pelo menos em países civilizados.
Que tenha tolerância zero com o crime nas ruas, mesmo pequenos delitos, como vandalismo do patrimônio, e zero intolerância para diferenças de raça, gênero, orientação sexual e crença.
Que priorize a tecnologia, estimule novas pequenas empresas, declare guerra de morte à burocracia e possa dar a notícia revolucionária: ?O Rio é a cidade brasileira onde se gasta menos tempo para abrir uma empresa, e onde se abrem mais empresas?.
Que diminua drasticamente as secretarias, o funcionalismo e principalmente cargos em comissão. E não indique políticos suspeitos para o Tribunal de Contas.
Que determine a publicação on-line, em tempo real, de todas as receitas e despesas da prefeitura.
Que valorize os bons professores com bônus por resultados, eles merecem mais do que ninguém. E não ceda a pressões sindicais para nivelar por baixo os bons trabalhadores, os incompetentes e os vagabundos.
Espera-se que trabalhe incansavelmente, acima de advérbios, partidos e ideologias, com os governos federal e estadual, para realizar o maior sonho do carioca: ir e vir em paz em sua linda cidade.
A conquista do poder no ?interesse de Deus?, por José Casado
A eleição de Marcelo Crivella à prefeitura do Rio é novidade das mais relevantes. Representa o lançamento de um projeto de poder político-religioso, essencialmente conservador, que floresce no jardim onde restam cinzas das forças políticas dominantes nas últimas três décadas.
O ?projeto de nação idealizado por Deus para o Seu povo? existe. Um esboço encontra-se no recém-lançado ?Plano de poder ? Deus, os cristãos e a política?, assinado pelo tio de Crivella e líder da Igreja Universal do Reino de Deus, Edir Macedo, em parceria com o jornalista Carlos Oliveira.
O senador Crivella é missionário numa nova experiência eleitoral, construída a partir de engajamento, consenso e mobilização de agrupamentos evangélicos, sob patrocínio da Universal, uma das maiores e mais ricas organizações neopentecostais do país. Possui seis mil templos, 23 concessões de televisões, 20 retransmissoras e 76 rádios cobrindo 80% do território nacional. Também tem um braço partidário, o PRB, com 22 deputados federais, 80 prefeitos e 1,3 mil vereadores.
Com platitudes (?vamos cuidar das pessoas?), e tentando descolar sua imagem da Universal, conforme prescrevia o receituário de marketing da própria igreja, Crivella extraiu das urnas 1,6 milhão de votos ? cerca de 300 mil menos que a soma de ausências, votos nulos e em branco, o que não deixa de ser sugestivo.
Ele confirmou na segunda maior cidade brasileira o potencial de influência de uma coalizão impulsionada pelos evangélicos, montada para decidir uma eleição ?tanto no Legislativo, quanto no Executivo?, como escreveu seu tio e mentor em ?Plano de poder?.
Crivella vai tentar transformar o Rio em vitrine desse projeto religioso-conservador.
O objetivo é a conquista do poder no ?interesse de Deus? para que ?Seu projeto de nação se conclua?. Será protagonista de um teste para o Estado laico no Brasil.
“Afinal, Crivella cuidará das pessoas?”, por Alan Gripp
Marcelo Crivella transformará o Rio numa república evangélica, com templos pipocando em cada esquina, onde reinará o obscurantismo e a intolerância, diz a narrativa adversária mais radical. Não será assim, da mesma maneira que Freixo não faria da cidade uma grande Praça São Salvador, com o expurgo de empresários e a venda liberada de maconha.
Crivella será vigiado de perto. Não chefiará o Ministério da Pesca, e sim o segundo maior colégio eleitoral do país. Terá pouca margem para pôr em prática o propalado projeto de poder de sua igreja. Tal façanha é ainda menos provável pós-manifestações de 2013, quando todo gestor público ganhou uma espada permanente no pescoço.
Para começo de conversa, os prefeitos eleitos no país terão vida mais dura do que seus antecessores. Todos. A crise corroeu as finanças públicas e fez despencar a receita dos municípios, o que, na melhor das hipóteses, reduzirá a capacidade de investimento de quem chega ao poder. Por isso, nenhum programa de governo proposto será posto em prática integralmente. A realidade transformará em pó o canto da sereia das campanhas.
Nesse contexto, talvez exista um ponto a favor de Crivella na comparação com Freixo. Sua proposta econômica, que reza na cartilha da austeridade, cai bem. A história recente, aliás, tem premiado a fórmula de cinto apertado nos dois primeiros anos e investimentos nos dois finais. O melhor exemplo disso é ACM Neto, reeleito com 74% dos votos em Salvador.
O que mais preocupa em Crivella é o provável retrocesso das políticas afirmativas, associado a uma predileção pelo assistencialismo populista, evidenciado em suas ?missões evangelizadoras? em nome de Deus, citado aliás por ele ontem sete vezes no discurso da vitória.
Tal receio alimentou as comparações com o ex-governador Anthony Garotinho, com quem Crivella firmou uma aliança que quase lhe custou a vitória. Ou seja, Crivella cuidará das pessoas ou dos votos delas? A ver.
Conflito de interesses, por Arthur Dapieve
A cidade do Rio de Janeiro sempre se orgulhou de estar na vanguarda política do Brasil, embora às vezes não tenha sido bem assim. Com a vitória de Marcelo Crivella, porém, o Rio retoma a frente de um processo político: agora, o da ?teocratização? do país, há anos já em andamento. A cidade reaproximou Estado e religião.
O argumento supostamente progressista de que apontar a conexão de Crivella com a religião é incorrer em preconceito em geral não se sustenta de pé. Porque a questão não é Crivella ser evangélico. A questão é que não se trata de um fiel comum e sim de um ?bispo licenciado? da Igreja Universal.
Nosso estado teve três governadores evangélicos: o casal Garotinho e Benedita da Silva. Pode-se apreciar ou não sua obra, mas não eram membros da alta hierarquia de sua igreja. Nem as dezenas de governadores e prefeitos católicos. Crivella não recebeu apenas o voto religioso, claro, e isso torna a opção carioca ainda mais ousada.
O Brasil teve dois presidentes ateus: Fernando Henrique Cardoso e Dilma Rousseff. Eles nunca nem tentaram implementar modernas políticas públicas em relação a drogas, aborto ou união civil entre pessoas do mesmo sexo. Nessas horas, católicos e evangélicos esqueceram suas diferenças e formaram uma só bancada.
No entanto, política e religião não podem se misturar. Dá sempre errado. Uma fala à razão, coletiva, e busca o plural. Outra fala à fé, individual, e busca o absoluto. É verdade que certas bandeiras de parte da esquerda a aproximam de uma seita. A crença na Dilma imaculada, por exemplo, tornou-se um dogma religioso. A mártir apedrejada pelos fariseus ? fariseus que, ôps!, até a véspera eram seus aliados.
Fosse o nosso novo prefeito um padre católico, eu estaria escrevendo o mesmo. Imagino, no entanto, o que seria dito na Catedral da Fé, na Av. Dom Hélder Câmara, aquela que a Universal denomina de ?antiga Av. Suburbana?. Os pastores estariam abominando a mistura entre política e religião. Teriam razão. Resta rezar ? no meu caso, torcer e vigiar ? para que a promessa de um governo para todos não seja rasgada ao primeiro conflito de interesses.
“Os templos da Universal estarão acima das leis?”, por Márvio dos Anjos
Quando se fala de prefeitura e Universal, é preciso perguntar: por que a organização tem tanta dificuldade de erguer megatemplos com transparência, conforme as leis municipais de construção e zoneamento? Por que tantas ações na Justiça e acordos emergenciais? É tão duro dar a César o que é de César?
Neste mês, a Igreja Universal foi punida em São Paulo por ter obtido um alvará de reforma ? usando informações falsas ? para erguer o Templo de Salomão, um caso que se estendeu por três anos. O correto, segundo o Ministério Público e a gestão Haddad, seria pedir um alvará de construção, já que não havia edifício no terreno. Depois de várias rodadas de negociação em sigilo de Justiça, a Universal foi obrigada a doar, no último dia 20, um terreno de R$ 38 milhões para evitar a demolição do templo.
Segundo a investigação, largamente noticiada pela ?Folha de S.Paulo?, a principal vantagem da Universal ao driblar o alvará foi a obrigação de dedicar 40% do terreno a moradias populares. Para isso, a Universal beneficiou-se em 2006 de decisões de um funcionário público que atropelou todos os pareceres em contrário. O servidor, Hussain Aref, é investigado hoje por suspeita de propinas para liberar outras construções durante a gestão Kassab. Para se ter uma ideia, em 2012 foi revelado que, em sete anos, Aref adquiriu 106 imóveis em São Paulo. Não se sabe, porém, de propina ligada ao Templo de Salomão.
No Rio, um megatemplo na Abolição ? inaugurado sem habite-se em 2004 ? só foi legalizado em 2012, através de um projeto de lei da prefeitura. O acordo só ocorreu porque a organização religiosa queria construir um anexo ao templo. Crivella participou da negociação com Paes, que perdoou R$ 3 milhões em dívidas de IPTU e taxas. O GLOBO noticiou o acordo.
Uma bagatela, se verificarmos que a Universal abrirá em 2017 um megatemplo em Curitiba com um investimento de R$ 414 milhões, e já adquiriu um terreno de R$ 90 milhões em Taguatinga-DF, também para outra catedral.
Sem grandes esperanças, torço pelos animais, por Córa Ronai
No fim do último debate entre os candidatos, muita gente criticou a pergunta que Marcelo Crivella fez a Marcelo Freixo a respeito dos animais abandonados. Pois gostei da pergunta, assim como gostei da resposta do Freixo, que propôs unidades de castração móveis, parceria com a Suipa e com os protetores, e a utilização do zoológico como centro de estudos. Cuidar dos animais não é algo menor, e querer saber o que um candidato a prefeito pretende fazer a respeito deles não tem nada de ridículo. Administrar uma cidade é, justamente, cuidar de detalhes assim.
Crivella elogiou a resposta, e acrescentou que propunha a implantação de chips nos animais para evitar o abandono, uma proposta boa se vivêssemos num cantão suíço, mas impraticável numa cidade do tamanho do Rio. De qualquer forma, gostaria que ele continuasse se preocupando com os bichos agora que foi eleito, e que ponha em prática as medidas que elogiou. A situação dos animais e de seus protetores no Rio, que sempre foi ruim, piorou sensivelmente com a crise.
Sei que esse está longe de ser o maior problema do Rio mas, infelizmente, não tenho grandes esperanças em relação aos próximos quatro anos ? nem em relação aos animais, nem em relação ao resto. Já não tinha muitas quando foram anunciados os nomes para o primeiro turno, mas elas foram a zero quando as urnas revelaram quem disputaria o segundo turno. Cultivar esperanças é muito difícil quando temos tantas objeções aos candidatos, e mais ainda quando o pior, ou o que consideramos pior, vence. Mas como é impossível viver sem esperanças, tenho uma, de estimação, que tiro do bolso, acaricio e lustro sempre que um político em quem não confio assume o poder: tomara que ele me surpreenda e que, daqui a quatro anos, eu precise reconhecer que estava errada.
Dessa vez está tão feia a coisa que, olhando para a minha esperança tão pálida, desejo apenas que o novo prefeito não seja pior do que imagino que será.
É muito pouco para uma cidade tão complicada e desigual como a nossa, muito pouco para uma cidade tão insegura e tão cheia de problemas; mas é o que temos para hoje.
Governo é como feijão, só funciona na panela de pressão, por Frei Betto
Há que esperar muito pouco dos próximos prefeitos. Por força da má administração, muitos estados e municípios estão falidos. E a fatia mais gorda dos múltiplos impostos que pagamos é devorada pela União, que costuma tratar os municípios como o senhor da Casa Grande tratava os cães da senzala, atirando-lhes migalhas. Daí a urgência de uma reforma tributária que inclua os entes públicos. Os prefeitos, quando candidatos, fizeram inúmeras promessas meramente demagógicas, sem respaldo em um Plano Diretor do Município baseado em pesquisas capazes de identificar as reais prioridades e os recursos disponíveis.
Há que pensar o município a partir de um Plano Diretor Estratégico que considere, como prioridade, direitos e necessidades do cidadão, e não de carros, empreiteiras, loteamentos e condomínios.
Ainda que pesquisas apontem entre as prioridades o saneamento de bairros da periferia, dificilmente o prefeito a assumirá. Rede de esgoto não dá voto (embora traga saúde e vida). E com certeza recursos serão prioritariamente aplicados em áreas de classes média e alta, formadores de opinião, pois muitos prefeitos eleitos já estão de olho em 2018. Esse processo eleitoral binário corrompe políticos e desencanta eleitores. Uma boa reforma política se faz urgente.
Todo prefeito é assediado por empresas interessadas em arrancar-lhes dinheiro. Se não houver transparência de um lado e mecanismos de controle do outro, certamente serão beneficiadas, via licitações fajutas, obras de amigos e de amigos dos amigos…
Para tentar evitar que o prefeito seja mordido pela mosca azul e exigir de sua administração lisura e coragem de enfrentar as ?forças ocultas?, hoje desvendadas pela Lava-Jato, só mesmo se nós, cidadãos e cidadãs, assumirmos o que somos: a autoridade maior do município, a quem nossos servidores, custeados com o nosso dinheiro ? prefeito e vereadores ?, têm a obrigação de prestar contas. Mas, para isso, é preciso que saibamos cobrar. Pois governo é que nem feijão, só funciona na panela de pressão.
Amor e repeito ao que o Rio tem de melhor, por Rolland Gianotti
O que espero do novo prefeito (ou meus dez desejos para Marcello Crivella):
1) que, durante todo o seu mandato, respeite as minorias e prove ser merecedor dos votos da maioria;
2) que entre 2017 vestido de branco, saltando três ondinhas e saudando Iemanjá no réveillon de Copacabana;
3) que em seu primeiro ato como prefeito de fato, cumpra a promessa de campanha e monte um secretariado estritamente técnico, evitando o loteamento da máquina pública entre políticos fichas-sujas, pastores evangélicos e milicianos;
4) que no dia de São Sebastião (20 de janeiro, é bom anotar…), o novo prefeito procure bênçãos na Igreja dos Capuchinhos da Tijuca e, braços dados com padres e bispos católicos, siga a procissão do santo padroeiro deste Rio de Janeiro;
5) que, no carnaval, ponha seu bloco na rua e, boquiaberto, assista aos desfiles na Sapucaí, onde beijará bandeiras, mulatas e baianas das escolas de samba (observação aqui: vale chorar com Portela, Mangueira e Império);
6) que se orgulhe do Cais do Valongo, lugar por onde passaram milhares de negros escravizados trazidos da África, ponto de grande importância para os representantes de religiões afrodescendentes e local candidato a Patrimônio da Humanidade;
7) que no Dia Internacional do Orgulho Gay (28 de junho, registra aí, Crivella, para não esquecer) se declare defensor das causas LGBT e reconheça o mérito para o Rio do titulo de destino gay friendly (são milhões de reais gastos na rede hoteleira, em bares, restaurantes e no comércio em geral);
8) que evite picuinhas com seu antecessor e preserve e amplie conquistas como o BRT, o VLT, a malha cicloviária e a Orla Conde;
9) que cuide das belezas locais (vale lembrar que o Rio foi a primeira cidade do mundo a receber o título da Unesco de Patrimônio Mundial como Paisagem Cultural Urbana);
10) e que, em meio a tudo isso, encontre tempo para um mergulho em Ipanema, um passeio pelo novo Porto, uma roda de samba em Madureira…
Enfim, que ame o Rio e sua gente.