Veja íntegra da entrevista com a candidata Jandira Feghali (PCdoB)
RIO – Única mulher entre os principais candidatos à prefeitura, Jandira Feghali, deputada federal do PCdoB, defende a discussão sobre o governo federal nas eleições municipais e assegura que, apesar de contestar a legitimidade da atual Presidência da República, conseguirá recursos para conduzir programas sociais. Eleição jornal 2209
O GLOBO: A senhora foi secretária municipal de Cultura entre 2009 e 2010, no primeiro mandato de Eduardo Paes. Em 2012, quando já era deputada, fez um vídeo em que declarou voto a Paes porque ele estava “fazendo bem para a cidade” e dizendo que ele tinha “uma característica interessante, que é agregar”, unindo forças com os governos estadual e federal. Hoje, no entanto, a senhora faz oposição ao prefeito, ao estado e não reconhece sequer a legitimidade do presidente. Se a senhora for eleita, isso fará bem à cidade?
JANDIRA: Naquele momento, o nosso apoio ao Eduardo Paes teve um significado nacional maior do que o significado local. Conseguimos benefícios para o Rio, como aumentar o ingresso em universidades, o fornecimento de remédios, o Minha Casa Minha Vida, verbas para as UPAs e a própria Olimpíada, que, embora a prefeitura negue, foi bancada pelo governo federal. O primeiro mandato de Paes foi positivo. O problema foi construir a concepção da cidade baseada apenas na especulação financeira. Também não houve ações para desenvolvimento de trabalho e renda, o programa de saúde foi terceirizado.
O GLOBO: É do interesse do eleitor, em uma eleição municipal, que normalmente se dedica mais aos problemas cotidianos de uma cidade, ver uma campanha nacionalizada?
JANDIRA: Acho que sim. Nós temos três razões para falar do Brasil numa eleição municipal. A primeira, democracia não é um valor secundário. E hoje nós não temos uma cidade democrática. Todas as políticas são decididas goela abaixo. Segundo, é preciso mostrar que temos lado e coerência na política. Em terceiro lugar, é entender que muito dos recursos para a cidade dependem do governo federal. Precisamos esclarecer que o orçamento federal vai reduzir verbas para saúde, educação e habitação, e isso limitará os gestores locais.
O GLOBO: Três dos principais candidatos na eleição ? a senhora, Alessandro Molon (Rede) e Marcelo Freixo (PSOL) ? são de esquerda. A falta de união foi uma falha?
JANDIRA: A marca do meu partido (PCdoB) é a busca pela unidade, mas isso é muito difícil. São pensamentos diferentes sobre o quadro político, apesar de termos muitos pontos de convergência. Houve uma resolução municipal do PSOL de não se aliar a candidatos da base do Lula e da Dilma. Então, ficou muito difícil. A gente só casa com quem quer casar com a gente. Os partidos de esquerda concordaram em ter uma relação respeitosa no primeiro turno, e quem fosse para o segundo turno faria aliança. Nós estamos cumprindo este acordo. Não quer dizer que os outros estejam.
O GLOBO: A última pesquisa do Ibope mostrou um empate técnico entre Freixo, com 9% das intenções de voto, e a senhora, com 8%. A senhora já se queixou de ataques do PSOL à sua candidatura.
JANDIRA: Quando subi nas pesquisas, imaginei que estava incomodando só a direita, mas também estou incomodando a esquerda. Na hora que eu cresço, começo a ser alvo de ataques. Acho ruim, porque mostra pouca visão de futuro. Não vejo por que cair nessa visão pequena e mesquinha de atacar candidato que pode estar no mesmo campo que o seu no futuro da cidade.
O GLOBO: Ainda de acordo com o instituto, a sua taxa de rejeição é de 35%, menor apenas que a do Pedro Paulo, que tem 36%. Como pretende fazer para vencer este obstáculo?
JANDIRA: Existe um número que se refere à rejeição de toda a política, uma base de 20%, que é contrária a qualquer um. E, como eu sou uma mulher que me posiciono, e polarizo opiniões, ter 35% de rejeição é absolutamente esperado. No primeiro turno, isso não tem importância. O que vale é no segundo turno.
O GLOBO: Na área de transportes, a senhora defende a implementação de um passe livre que beneficiaria mais de 800 mil pessoas. Para isso, o subsídio anual da prefeitura seria de R$ 970 milhões. Mas a senhora já criticou a falta de transparência das contas do município. Então, como garantir que existe esse dinheiro no caixa?
JANDIRA: A primeira medida presente em nosso programa de governo é a realização de quatro auditorias: das contas; da Previdência; dos contratos, particularmente os de terceirização; e da planilha de transportes, porque temos que ver se foram cumpridas as contrapartidas para a formatação do preço da tarifa. A maior parte da frota não tem ar-condicionado nem (estrutura de) acessibilidade. Outra medida para garantir transparência é a realização de conselhos de bairros, onde podemos prestar contas, mostrar o orçamento da prefeitura, a arrecadação de IPTU na região.
O GLOBO: Mas como falar em tarifa zero, saúde, creches e educação em horário integral sem saber exatamente a disponibilidade de recursos?
JANDIRA: Saúde, educação e transporte são prioridades. O orçamento previsto para 2017 é de R$ 29 bilhões. Vamos renegociar dívidas e aumentar a arrecadação, mas não com impostos. A medida correta é investir em novas cadeias de produção, como a agricultura familiar e a cultura, e de serviços. Também podemos promover a desoneração em alguns setores para que as empresas fiquem aqui.
O GLOBO: Quais são seus planos para as Organizações Sociais de saúde?
JANDIRA: Sou contra a terceirização. Hoje, ela é rotativa demais. As pessoas não se vinculam nem à comunidade nem à estrutura, não têm carreira. Além disso, pensando em seu ganho, há cada vez menos leitos e as equipes estão reduzidas, inclusive em hospitais que foram municipalizados, e há muita denúncia de superfaturamento. Este modelo não serve para a prefeitura. Hoje, gastamos mais com as organizações sociais do que com o serviço público.
O GLOBO: A senhora é favorável ao armamento da Guarda Municipal?
JANDIRA: Não. A lei autoriza esta medida, mas não obriga. Não concordo com mais arma na rua neste momento. A função da Guarda é preventiva e cidadã, tem que estar na porta da escola e em áreas onde há maior delito contra a pessoa. Não é repressiva como a Polícia Militar.
O GLOBO: Como a prefeitura pode contribuir para a segurança pública?
JANDIRA: Tem que ter um gabinete institucional comum, em que eu ajude a formular políticas para esta área. Acho que o prefeito atual se retirou da política de segurança. As pessoas moram na cidade, não posso dizer que a polícia é do estado e que eu não tenho nada a ver com isso. A população está entre a bala da polícia, a bala do tráfico e a intimidação pela milícia.
O GLOBO: Uma de suas prioridades é universalizar o horário integral no ensino básico, mas, no mês passado, um relatório do Tribunal de Contas do Município apontou que 49% das unidades escolares têm déficit de professores. Então, como a prefeitura pode segurar os alunos na sala de aula?
JANDIRA: No ano passado, a prefeitura gastou 21% do orçamento em educação, embora a Constituição determine que esse valor seja de, pelo menos, 25%. Se faltam 4%, considerando que falamos de um orçamento aproximado de R$ 25 bilhões, então você pode ver que temos um dinheiro bastante razoável para superar problemas de infraestrutura, além do déficit de creches.
O GLOBO: O que a senhora faria nos cem primeiros dias de governo?
JANDIRA: A auditoria é fundamental, e também uma ação integrada de várias secretarias nas favelas. Melhorar a gestão na saúde, e também começar os conselhos de bairro nas escolas. E precisamos ampliar a área de tecnologia. Isso vai contribuir para a rapidez do serviço, a transparência das contas públicas e o combate à corrupção, inclusive dentro da prefeitura.
O GLOBO: E será possível contar com recursos do governo federal para isso tudo?
JANDIRA: Vamos continuar disputando estes recursos.
O GLOBO: Mesmo com a possibilidade de uma relação difícil com a União?
JANDIRA: Eu tenho posição política e sou respeitada por isso. O governo Temer vai me respeitar, porque serei prefeita eleita pelos milhões de votos da cidade do Rio. Vou me relacionar com este governo com a autoridade de uma prefeita eleita e vou exigir recursos que vêm para a cidade como irá para qualquer outra. Dilma, quando governou, mandou recursos para todas as cidades, independentemente se os prefeitos gostavam dela ou não. É uma relação republicana e viável.
O GLOBO: A senhora é favorável ao Uber? Como será sua atuação no conflito entre o meio de transporte e os táxis?
JANDIRA: Não sou a favor nem contra. Vamos ter que construir saídas conjuntas. A economia do compartilhamento será cada vez mais presente. Precisamos fazer um cadastro público.
O GLOBO: Em seu programa de governo, a senhora diz que não há dúvidas de que o custo-benefício da revitalização da Avenida Brasil é muito maior do que os investimentos na Barra da Tijuca e na Zona Portuária. A cidade está crescendo para o lado errado?
JANDIRA: Sem dúvida, ela está expandindo para a Zona Oeste, uma área que não estrutura, devido aos interesses da especulação imobiliária. Na verdade, o melhor é adensar as áreas que já estão estruturadas. E também não há projeto de habitação para o Centro da cidade.
O GLOBO: A senhora é a única mulher entre os principais candidatos e também tem ressaltado alertas contra a violência feminina. Por que, em uma cidade cuja maioria da população é feminina, a questão de gênero é controversa?
JANDIRA: Me parece que o perfil dos candidatos não ajuda muito, há inclusive pelo menos um denunciado por agressão à mulher. É porque a questão de gênero só ganha um olhar prioritário de quem tem um histórico nessa luta. Eu tenho 30 anos de feminismo. Boa parte das minhas leis é feita para as mulheres, como a Lei Maria da Penha, que eu escrevi o texto em vigor. Então, tenho uma preocupação permanente em olhar para o preconceito.
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