Cotidiano

'Negrinha, aqui, não', diz aluno para caloura em evento da FGV de SP

fgv.jpgSÃO PAULO – Um evento esportivo que era para ser de integração entre novos alunos da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo, terminou em racismo: alguém gritou da arquibancada que não queria uma ?negrinha? ali. O caso, relatado por alunos da instituição, está sendo apurado pela FGV. A moça estuda Administração Pública, curso que frequenta graças a uma bolsa social. Ela pediu para não ser identificada e não quer falar sobre o tema.

No último dia 3, calouros dos cursos de Administração Pública e Economia se encontraram na quadra da instituição, em Bela Vista, centro da capital, para um jogo de vôlei. As atividades acontecem em todo início de semestre. Durante a partida, ouviu-se uma voz grave gritando: ?Negrinha, aqui, não?. O autor seria aluno do curso de Economia.

Uma testemunha que pediu para não ser identificada relatou ao GLOBO que o jogo parou assim que ouviu-se o grito. Ele disse que algumas pessoas deram broncas direcionadas à torcida formada por alunos de Economia, e foi solicitado que o autor se pronunciasse.

? Em respeito à menina, a torcida de Economia saiu, mas ninguém entregou a pessoa. Ela ficou ali, pálida, acabada, e o jogo seguiu num clima fúnebre ? relata a testemunha, para frisar em seguida que também é negra.

? Nunca sofri preconceito na faculdade. Acredito que tenha sido um evento isolado.

Ainda de acordo com este aluno, um grupo de pessoas incentivou a jovem a prestar queixa, mas ela disse preferir esquecer a história, pois não queria se expôr. Ela segue frequentando a faculdade e recebendo apoio da direção e de alunos.

Nas redes sociais, o Coletivo 20 de Novembro, de estudantes negros e negras da FGV/SP, pede posicionamento da coordenação do curso de Economia. ?O recente acontecimento demonstra que é necessário criar um espaço propício para a inclusão social e, especialmente, a racial, ou seja, é necessário que os mecanismos de inclusão se estendam para além da entrada desses alunos, mas, também, para sua permanência, a fim de proporcionar um desenvolvimento integral do aluno?, escreve.

?Precisamos debater o porquê das pessoas negras não estarem dentro dessas faculdades?

A jornalista Pamella Indaia, de 29 anos, questiona a falta de pessoas negras na instituição. Ela trabalhou numa ONG que funciona dentro da FGV, em 2011, e relata que, apesar de sempre ter sido tratada com respeito, incomodava-se com o fato de ser a única pessoa negra a andar pela unidade.

? Eu não via ninguém negro lá. Precisamos debater o porquê das pessoas negras não estarem dentro dessas faculdades ? afirma Pamella, para revelar, em seguida, preocupação com o futuro da vítima dentro da instituição de ensino:

? Se ela não tiver apoio da faculdade e da família, não vai conseguir denunciar. Estamos falando de uma faculdade elitista, onde filhos de pessoas de alto padrão estudam. Ela pode até ficar estigmatizada ? atenta.

São três os cursos de graduação que a Fundação oferece na capital paulista: Administração, Direito e Economia. Ela não possui cotas raciais, mas bolsa para alunos com dificuldades econômicas. Eles devem passar por processo seletivo. O curso que a vítima frequenta custa R$ 4,1 mil mensais. O de Economia chega à cifra de R$ 3,7 mil.