Corbélia – Em junho de 1998 começava a cobrança de pedágio no Anel de Integração do Paraná. Ninguém imaginava a polêmica que estava tendo início. Um mês depois, o mesmo governador que assinou os contratos reduzia em 50% as tarifas. Foi o start para um pesadelo que custou muito caro e com retorno muito aquém do prometido. E que está a três anos do fim. E o que esperar até lá? Pelo menos na região oeste do Paraná, menos do que recebeu até hoje: as tarifas vão continuar subindo todos os anos, mas não há mais investimentos previstos.
Se trazidos aos valores atuais, a Ecocataratas, concessionária que administra a BR-277 de Foz do Iguaçu até Candói, já faturou, segundo estimativa feita a partir dos dados do pedagiômetro administrado pela Agepar (Agência de Regulação do Paraná), ao menos R$ 6 bilhões nesses 20 anos. Já a Viapar, que tem praça de pedágio na BR-369 em Corbélia, e administra trecho até Arapongas, a arrecadação beira passa dos R$ 7 bilhões, a partir da mesma fonte de cálculo.
Considerando todo o Anel de Integração, nos seis primeiros meses do ano fechados ontem, Econorte, Viapar, Ecocataratas, Caminhos do Paraná, Rodonorte e Ecovia já faturaram R$ 1,1 bilhão, isso só em 2018. Considerados então os 20 anos de arrecadação e as tarifas atuais, são quase R$ 45 bilhões de faturamento.
E você deve se perguntar sobre o retorno desses valores em serviços e benfeitorias. Pois bem, com exceção das duas obras em andamento nas rodovias pedagiadas na região, quatro quilômetros de duplicação e algumas adequações na BR-369 em Corbélia com administração da Viapar e que vai custar R$ 70 milhões e três quilômetros da BR-277 desde o Trevo Cataratas até o posto da PRF em Cascavel também com algumas adequações, cujo percurso é administrado pela Ecocataratas e que custará R$ 60 milhões, não há previsão de mais nenhuma obra para a região até o fim dos contratos de pedágio, em 2021.
As informações foram confirmadas à reportagem do Jornal O Paraná pelas administradoras e por levantamentos feitos com base nos contratos e aditivos. A Ecocataratas informou que “estão sendo executadas as
obras de duplicação dos 3,2 quilômetros, em Cascavel, e 2,1 quilômetros, no perímetro urbano de Guarapuava, com investimento total de R$ 85 milhões (moeda 2016) e ambas com previsão de entrega para outubro deste ano”. “A Ecocataratas ressalta que está previsto em contrato de concessão a execução de obras de manutenção e conservação do pavimento e que qualquer obra não prevista no contrato deverá ser primeiramente avaliada e aprovada pelo Poder Concedente”, completou em nota.
Já a Viapar afirmou que “está executando a duplicação da rodovia BR-369, no perímetro urbano de Corbélia numa obra que possui quatro quilômetros de extensão, contemplando três viadutos e oito quilômetros de vias marginais. A previsão de conclusão é o segundo semestre de 2018 a um custo de R$ 70 milhões”.
Ainda de acordo com essa concessionária, “não há a previsão, no contrato da Viapar, que se encerra em 2021, para novas obras de ampliação na região”.
Aditivos tiraram obrigatoriedades de duplicação
Quando houve a assinatura dos contratos, ainda em 1997, a expectativa era outra. Muitos acreditavam que viraria realidade sonhos como duplicação da BR-277 e BR-369, por exemplo. Mas a série de aditivos e até “editais fantasmas” que houve na sequência mudou drasticamente os contratos.
Edificações importantes estavam mesmo previstas no contrato original assinado entre o Estado e as concessionárias em 1997. Eles previam, por exemplo, para o oeste do Paraná, a duplicação completa do trecho da BR-277 de Santa Terezinha de Itaipu até Cascavel, em quase 120 quilômetros. Desse total, ainda faltam mais de 40 quilômetros a serem duplicados, de Matelândia até o Contorno Oeste, em Cascavel, além de todo o perímetro urbano, entre os trevos do Guarujá e Cataratas e depois do posto da PRF até o trevo de acesso ao Distrito de São João do Oeste.
Havia previsão ainda de duplicação do trecho da BR-369 desde Corbélia até Cascavel, em 38 quilômetros, mas apenas quatro devem sair do papel, reforçando que eles ainda estão em andamento porque começaram a ser feitos às vésperas do fim do contrato.
Essas e outras edificações por todo o Anel de Integração foram retiradas, suprimidas ou adiadas a partir de aditivos publicados em 2000 e 2002, que previam, além da exclusão de obras, o adiamento de outros investimentos. No caso da região oeste, a execução completa dos trechos foi retirada dos contratos.
O argumento na tentativa de justificar os aditivos era o prejuízo que as empresas concessionárias tiveram quando o então Governo Jaime Lerner determinou a redução das tarifas pela metade, um mês depois do início da cobrança, que assustou todos os paranaenses.
Assim, a única obra extra que poderia sair do papel em se tratando de duplicação de rodovias pedagiadas, sem qualquer garantia de execução, são seis quilômetros na BR-277, do posto da PRF até o trevo de acesso a São João do Oeste em Cascavel, que seria bancada pelo governo na ordem dos R$ 40 milhões, ou seja, pagos pela população e não dos caixas da concessionária.
Essa também era uma execução dada como certa sob a responsabilidade da concessionária e que chegou a ser anunciada pelo então governador Beto Richa em 2016, só que na hora da assinatura da ordem de serviço os 9 quilômetros viraram 3 e isso só foi percebido quando as máquinas já estavam na pista. Pressionado por líderes regionais e pelo setor produtivo, Richa garantiu em setembro do ano passado que o Estado executaria esse trecho. Ele deixou o cargo e a promessa entrou para o rol de itens não cumpridos.
Mais expectativas frustradas
Em Cascavel havia ainda a expectativa, assim que as rodovias passaram à modalidade de concessão, de que as vias marginais fossem construídas no perímetro urbano. Apenas parte saiu do papel no caso da BR-277 bancadas pelo poder público municipal.
Havia também a expectativa da duplicação do perímetro urbano da rodovia desde o viaduto do Bairro Guarujá até o Trevo Cataratas. Vale ressaltar, inclusive, uma terceira faixa construída no percurso que não foi duplicado e que só saiu do papel como forma de punição por descumprimento de contrato.
A reestruturação do próprio Trevo Cataratas, principal entroncamento rodoviário da região ligando as rodovias 277, 369 e 467, era algo que se esperava com a concessão. Gargalo rodoviário conhecido dos motoristas, a única medida adotada ali foi a instalação dos semáforos e a pintura das faixas.
Há dois anos o governo estadual anunciou em Cascavel, durante reunião na Associação Comercial, uma faixa rodoviária – um novo trecho – que poderia servir como alternativa ao tráfego pesado na região da Ferroeste e do parque tecnológico da Coopavel. Na época, inclusive, o traçado foi apresentado com pista extra desde a praça de pedágio até as proximidades do trevo de acesso à ferrovia. A obra também não prosperou.
O atendimento ao usuário também se revela deficitário, mais precisamente na BR-369. Na região, a Viapar nem sequer conta com um médico na equipe de socorro para atender as inúmeras vítimas de acidentes. Todas as vezes em que há feridos graves no trecho, o médico do Siate precisa ser deslocado de Cascavel. Embora previsto no contrato, a concessionária sempre argumentou que a obrigação era ter um médico, não que ele atendesse pessoalmente às ocorrências. E assim se foram 20 anos.
Nos últimos anos, uma série de investigações de CPIs e do próprio TCE-PR (Tribunal de Contas do Estado do Paraná) apontaram atos secretos envolvendo as concessionárias e seus respectivos contratos de pedágio, além de tarifas supermajoradas. Entre eles estão aditivos nunca publicados com remodelação dos contratos sem o devido conhecimento público, eximindo as administradoras de uma série de obrigações legais. Até hoje ninguém foi punido.
Investimento? 10% da arrecadação em duplicação
Quanto às obras concluídas pela concessão na região estão apenas edificações já entregues pela Ecocataratas e que constam como efetivas nos contratos, segundo a Agepar.
Na soma, são 62,3 quilômetros de duplicação sendo: 34,6 quilômetros na BR-277, de Santa Terezinha de Itaipu até Medianeira executados de 2000 a 2002; 14,4 da BR-277 de Medianeira a Matelândia construídos de 2012 a 2013, 5,3 na BR-277 no perímetro urbano de Matelândia de 2014 a 2016. Ainda na BR-277 em Cascavel foram duplicados oito quilômetros, do Trevo Guarujá até o Contorno Oeste, edificados de 2000 a 2002.
Considerando os valores médios praticados hoje pelas concessionárias de R$ 10 milhões por quilômetro duplicado, as obras executadas no oeste somaram R$ 623 milhões, menos de 10% do valor arrecadado pela concessionária nos últimos 20 anos.
A Viapar não entregou nenhum quilômetro duplicado até agora.
Considerando as obras em execução, são R$ 70 milhões da Ecocataratas e R$ 60 milhões da Viapar, ou seja, mais R$ 130 milhões, que, acrescidos aos R$ 623 milhões, não chegam a R$ 1 bilhão em todo o oeste do Paraná.
O que as concessões reservam para o Paraná
Em reportagem assinada pela jornalista Katia Brembatti, da Gazeta do Povo, levantamento estadual aponta que a maior parte das obras de duplicação nas rodovias pedagiadas do Paraná ficou para os últimos três anos do contrato, ou seja, de 2018 a 2021.
Segundo a reportagem, do total de exigências das concessões, 29% das obras ainda precisam ser executadas e 24% estão em andamento. Com esse volume de serviço por fazer, o orçamento previsto para o cumprimento das obrigações é da ordem de R$ 2,4 bilhões.
Mudanças feitas no contrato acabaram concentrando as obras no fim do prazo da administração privada das rodovias. Originalmente, a maior parte das duplicações estava prevista para o início das concessões e o benefício do protelamento foi fomentado pelos aditivos contratuais.
Se o contrato original tivesse sido cumprido à risca, o Paraná teria atualmente 800 quilômetros a mais no chamado Anel de Integração. Nos aditivos, algumas obras foram eliminadas e outras adiadas para o fim dos contratos. A concentração original, no início do contrato, era uma forma de melhorar a infraestrutura do Estado. Mas isso tornava o processo mais caro para as empresas. “O efeito é contábil – se as obras forem deixadas para o final, o custo financeiro é menor – se o dinheiro tivesse de ser emprestado ou mesmo destinado para as obras no início do contrato, haveria juro ou deixaria de render em outro tipo de investimento”, considera. “Para tentar resolver o problema criado no início da gestão, os usuários é que pagaram a conta, pois não tiveram as obras de infraestrutura para usufruir durante os últimos 20 anos”, segue a matéria, listando exemplos Paraná afora como a Rodovia do Café, na ligação entre Ponta Grossa e Apucarana.
O que já foi feito e o que está em andamento
De acordo com o DER (Departamento de Estradas de Rodagem), do total de 664,1 quilômetros de duplicações e contornos exigidos pelos atuais contratos, 313 foram concluídos, 156,1 estão em andamento e 195 estão previstos para execução deste ano até 2021. Do total de R$ 2,4 bilhões em investimentos previstos, R$ 1,5 bilhão se referem a duplicações. Em valores absolutos, os maiores montantes para duplicações no período de 2018 a 2021 estão programados pelas concessionárias Rodonorte (R$ 806,1 milhões) e Viapar (R$ 329 milhões), esta no noroeste do Estado.
Contudo, a quilometragem de obras a serem realizadas ainda pode mudar. É que os contratos não estipulavam o tamanho da obra, mas o valor que seria investido. Ou seja, só a título de exemplo, a obrigação não era de fazer 100 quilômetros de duplicação em uma determinada rodovia, mas gastar R$ 300 milhões nesse tipo de obra. A questão é que alguns custos teriam sido subdimensionados, nos anos 1990 e precisam ser recalculados para chegar ao tamanho exato da obrigação das concessionárias.
Dos 2,8 mil quilômetros administrados no sistema paranaense de pedágio, menos de mil quilômetros são duplicados.
Contratos não serão renovados
Tão logo assumiu o governo do Estado, há três meses, Cida Borghetti anunciou que os contratos de pedágio não seriam renovados. No entanto, pediu para o governo federal rever a decisão de não renovar a concessão com o Estado, sugerindo a promoção de debates para a elaboração de um novo modelo de contratos, com tarifas menores e mais investimentos.
A partir disso o Estado notificou as concessionárias do Anel de Integração do fim dos contratos e elas começaram o processo de desmobilização. O planejamento para devolver as rodovias para a administração pública inclui o provisionamento de recursos para arcar com as despesas trabalhistas das demissões – são cerca de 3 mil funcionários diretos – e a valoração dos imóveis que serão entregues ao poder concedente, como as praças de pedágio.