RIO ? No Brasil para participar do ?Ciclo Ato Criador?, Juan Carlos Monedero, cientista político espanhol e um dos fundadores do Podemos, analisa impasse eleitoral e admite divisões internas na legenda que ajudou a criar. Monedero é um dos palestrantes nesta sexta-feira, às 16h, no Teatro Centro de Artes UFF.
As duas consultas para tentar formar um governo na Espanha não funcionaram. Podemos e Cidadãos conseguiram acabar com o bipartidarismo, mas isso gerou o impasse político atual. Qual seria a solução para tentar formar um governo?
Os tempos de crise, dizia (Antonio) Gramsci, são tempos em que o velho ainda não foi embora e o novo ainda não chegou. E na Espanha há uma crise, do regime, vinculada à Constituição de 1978. Enquanto o regime queira continuar buscando soluções superficiais, não poderemos solucionar nossos problemas. Acreditaram que mudando a direção do PSOE (o tradicional Partido Socialista Operário), ou que abdicando o rei, com essas medidas cosméticas, se resolveriam os problemas, mas é mentira. Há uma Espanha jovem, bem formada, indignada que não se sente representada nos velhos partidos. E Espanha está enfrentando algo similar ao Reino Unido, onde ocorreu o Brexit. Os medos de algumas pessoas impedem que a esperança de outras cheguem a um porto seguro. podemos & espanha
Qual seria o ponto comum entre a saída do Reino Unido e a atual situação política na Espanha?
Essa cultura de medo, pouco democrática, de resignação. As novas gerações são mais cosmopolitas, mais abertas e querem políticos do século XXI e não políticos do século XIX. A dificuldade está que os meios de comunicação na Espanha, como no Brasil, são empresas a serviço de interesses econômicos, que constroem realidades. Com juízes corruptos, meios de comunicação que não fazem seu trabalho e políticos desonestos. A imprensa espanhola leva trabalhando há muito tempo pelo bipartidarismo e por uma grande coalizão, inclusive pressiona Podemos e Cidadãos para apoiar essa grande coalizão.
Qual a importância do Cidadãos nesse processo?
É um partido político financiado pelas empresas do Ibex 35 (principal índice de referencia da bolsa espanhola). Quando o Partido Popular (conservador) mostrava dificuldades para formar governo, inventaram um partido que recebesse os votos que eles pudessem perder. E aí o vimos em dezembro apoiando o PSOE, e agora volta a apoiar o PP. É um partido sem norte, que como os cataventos se inclinam para onde soprar o vento. Em relação ao Podemos, tentaram pressionar, pressionar, romper internamente, mas o Podemos resiste porque sua única razão de ser é superar, ser resistente. Não fazer pactos vergonhosos.
Mas, sem fazer pactos, o Podemos não abre caminho para um novo governo do conservador PP? Não seria melhor formar uma coalizão?
Depende do que se busca. O PT (no Brasil) pactuou com o PMDB e acabou sendo traído. E o pior é que uma traição rompe a moral das bases e dos militantes. Portanto, em um momento histórico de crise, onde há o auge da extrema-direita, de um Donald Trump que não é muito diferente do que era um Hitler nos anos 1930, de aumento na Europa de grupos que se dizem neonazistas. nesse cenário o novo não pode dar os braços ao velho, porque senão estaria impedindo que as novas gerações tenham a consciência, a força e a vontade de pensar que podem mudar. É preciso abrir a janela para novos ares. E se os que abrem a janela terminam pactuando com os responsáveis pela podridão, não há esperança
Qual sua função no partido hoje?
Tenho 15 processos contra mim. Todos foram arquivados. O objetivo era nos matar civilmente. Um dos que me processou na Universidade (Complutense, onde ele dá aula mas está suspenso) está hoje na prisão por extorsão. Não tenho muito interesse em cargos, não sou um homem de gestão política, porque entendo que os políticos têm que negociar e eu sou uma pessoa mais de confrontação. Mas faço política por compromisso cidadão.
O senhor acha então que haverá novas eleições?
O PP e o PSOE estão em uma briga interna, tentando sobreviver. É como se tivesse passado uma tsunami e eles continuassem segurando sua coluna, aconteça o que acontecer. Vemos os partidos pensando apenas no seu futuro, na sua sobrevivência pessoal ou de alguns de seus membros. Isso acontece com o PP, que está rachado. Pedem a (Mariano) Rajoy que renuncie, porque isso desobstruiria a situação, mas ele não quer, porque está preocupado com seus próprios interesses. Assim como (Pedro) Sanchéz (do PSOE). E o povo apenas observa, como se fosse um filme de terror ruim. Há bastante probabilidade de terceiras eleições, mas o poder não quer isso, nem a Família Real, nem as grandes multinacionais, nem Bruxelas, nem os grandes partidos.
O Podemos também não está rachado internamente?
Podemos não está rachado, mas é verdade que têm profundas discussões, porque está tentando construir a política do século XXI. No modelo antigo, qualquer dissidência era considerada um tipo de heresia. Nosso objetivo, e não sei se conseguiremos alcançá-lo, é terminar com a maldição de que as diferenças políticas dentro de um partido acabam em divisões. Que nossas discrepâncias não nos façam esquecer das coisas que nos unem. Há um problema de fundo, que é que os partidos políticos são um mal. Um mal necessário, mas um mal.
Qual a importância dos Indignados nesse processo?
Nem os partidos antigos têm a força suficiente para formar governo, nem as forças políticas alternativas têm para tirá-los do poder. E eu gostaria que os cidadãos resolvessem esse empate catastrófico, decidindo se querem partidos corruptos, ou se atrevem a algum tipo de política nova. Os movimentos sociais têm um problema, são como as ondas, só existem quando há vento. Por isso é importante que o movimento tenha algum tipo de estrutura, para chegar ao poder e mudar as coisas. A principal realização do movimento dos Indignados, assim como de (Hugo) Chávez na Venezuela, de Lula, foi a de repolitizar a sociedade. E o erro do Podemos nos últimos seis meses foi estar apenas no Parlamento e abandonar as ruas. Porque os parlamentos não politizam.
Esse foi o erro dos governos da América Latina?
Sim, o erro foi preferir se reunir com os prefeitos e não com os moradores, com os sindicatos e não com os trabalhadores. Se deixamos de ter tempo para escutar a voz das ruas, para se reinventar constantemente, estamos fadados a morrer. Foram 15 anos de governos de mudança na América Latina que tiraram 72 milhões de pessoas da pobreza, segundo cifras da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina), o que é muito importante. Mas um dos grandes erros foi não formar uma consciência política. Criaram consumidores, mas não democratas. E no fim, as vítimas terminam a votar em seus carrascos outra vez. A prática mais clara de contaminação da direita na esquerda é a corrupção. É o sinal de como o poder econômico, político ou financeiro, acaba comprando as forças políticas que deveriam estar ajudando o povo. Outro erro foi deixar o politicamente incorreto para a direita. A esquerda dedicou todo seu tempo às leis, a tentar negociar com o ditadura financeira, a diminuir o deficit público; enquanto a direita disparava com grandes discursos, insuflava paixões. O responsável para que hajam pobres nos Estados Unidos é Donald Trump, são os milionários, não Obama.
E na Venezuela?
Se na Espanha, o turismo caísse 80% duvido que houvesse paz social. Foi o que aconteceu na Venezuela com o preço do petróleo. É um país que tirou 40% da população da pobreza, que foi capaz de romper com alguns problemas endêmicos no país, mas não com outros, como a dependência das importações, por exemplo, que muitas vezes estão na mão de empresários da oposição. Mas não é um fracasso. Um fracasso é o México, que tem metade do país controlado pelo tráfico. Um fracasso é o Brasil, onde aconteceu um golpe de Estado.
E Nicolás Maduro não cometeu erros?
Sim, mas quem não cometeu?