Cascavel – O mês de maio é muito significativo para as mulheres: “Dia das Mães”, “Mês das Noivas” e “Mês da Família”. Datas importantes e que destacam ainda mais a importância da mulher no conjunto da sociedade. E, a apesar de ser uma referência à vida e o ‘braço direito” do marido, tendo uma série de “papéis” importantes como dona da casa, esposa e mãe, além do destaque profissional que muitas alcança, ainda é, sim, a parte mais frágil desta mesma sociedade.
E, mesmo com toda essa importância, desde o início da pandemia, quando as pessoas passaram a ficar mais em casa e os relacionamentos foram mais intensificados e colocados à prova, a violência contra a mulher aumentou. Para falarmos sobre esse assunto e contar um pouco desta realidade, a reportagem do Jornal O Paraná foi até o Abrigo de Mulheres Vanusa Covatti, de Cascavel, que abriga mulheres em situação de violência familiar e doméstica para ouvir algumas histórias.
A casa fica em um bairro central da cidade, mas não é identificada por motivos de segurança. Quando chegamos ao local fomos bem acolhidos e constatamos que a residência é bastante segura, com agentes de uma empresa terceirizada que ficam no portão, dando apoio aos profissionais e as mulheres 24 horas por dia, em sistema de rodízio. O local é amplo e tem vários cômodos, com quartos, salas, cozinha e um “espírito acolhedor”, uma “verdadeira casa” para aquelas que por algum motivo tiveram de deixar o seu lar, por serem agredidas física ou moralmente.
Nessa reportagem vamos contar a história de duas mulheres que estão abrigadas no local. Por motivo de segurança delas, não vamos revelar o nome verdadeiro, usaremos nomes fictícios, preservando suas identidades, também em respeito a coragem que tiveram de contarem suas histórias e darem um “basta”, tomando uma atitude para mudarem suas vidas.
“Estava cansada de apanhar”
A primeira história é de “Joana”, 33 anos e três filhos: duas meninas e um menino, de 9, 6 e 2 anos. Ela teve os dois primeiros filhos, era casada, sempre cuidou da casa e de todos os afazeres do lar. O marido na época com problemas de depressão acabou tirando a própria vida e ela se viu sozinha para criar as duas crianças pequenas. Até ajeitar a vida, foi um tempo, mas tinha uma casa e ela conseguiu uma pensão por morte do marido que sempre trabalhou.
Tempo depois, Joana começou a namorar. Eles foram se conhecendo e ela engravidou da filha menor. Logo que a criança nasceu, o homem que era para ser a pessoa que ela poderia contar para criar os filhos, passou a deixar de trabalhar e os dias, semanas e meses foram passando até as coisas começarem a faltar dentro de casa. “Eu sempre pedia para ele ir trabalhar, porque eu não dava conta de pagar tudo sozinha com a pensão. Era nessas horas que ele me batia, me agredia e na frente das crianças”, contou.
No começo as brigas eram mais espaçadas e depois começou a ser tornar rotina e a própria família dela presenciou as agressões. “Eu sempre pedi para ele ir embora, me deixar com as crianças, mas ele me ameaçava e dizia que eu era dele e nunca ia deixar de ser. Sempre tive muito medo do que ele poderia fazer comigo, não era mais aquele homem que eu conheci”, relatou Joana. Depois de dois anos nessa situação, ela tomou coragem e saiu de casa com as três crianças. Elas estão abrigadas, aguardando uma decisão da Justiça para que ela consiga uma medida protetiva e possa voltar para a sua casa, sem a presença do homem.
“A gente se faz de forte e tenta, luta pela gente e pelos filhos. Mas, eu não aguentava mais nem apanhar e nem viver mais naquela situação. Ele quase me enforcou, me deixou de olho roxo e eu penso nos meus filhos. Muitas vezes ele batia nas crianças, bateu até na pequena já e eu tive que entrar no meio para defender eles. Estou decidida a ter uma vida melhor, a tirar ele da minha vida e começar tudo de novo”, completou.
“Eu era muito humilhada”
A nossa segunda história é de Sônia, 47 anos. Natural de Minas Gerais, ela veio parar no Paraná há cerca de 22 anos, quando uma parente a trouxe para ajudar a arrumar um emprego. Sônia perdeu os pais muito cedo e foi criada na rua. Nos olhos dá para perceber as marcas de sofrimento de uma mulher que ainda guarda a esperança de um dia ser feliz, amada e respeitada.
Mãe de três filhos, dois deles adolescentes e uma criança especial, ela está no abrigo há mais de dois meses e disse que não se arrepende nenhum dia de ter deixado a sua casa, depois de 20 anos de casamento. O marido mesmo sendo trabalhador, é alcoólatra e dependente químico, mas as agressões não eram físicas e, sim, verbais. “Ele me humilhava todos os dias. Dizia que eu nunca ia ter condições de ir embora, de sustentar uma casa, nem de me sustentar. Jogava na minha cara que a casa era dele e quem mandava lá era ele”, relatou.
Sônia contou que o marido nunca bateu nas crianças, que os filhos gostam do pai, mas que o problema sempre foi com ela, que ele deixou de amar e passou a destratar. “A gente precisa se amar primeiro, senão que tipo de pessoa a gente é. Por anos eu vive aquilo tudo calada, mas agora eu não aguento mais. Quero recomeçar a minha vida”, acrescentou a mulher que está em busca de emprego e que agradeceu a recepção que recebeu no abrigo. “Aqui me sinto acolhida e bem tratada, é hoje a minha família”, disse com lágrimas nos olhos.
Fotos: Paulo Eduardo
Vanusa Covati: proteção especial às mulheres que precisam de ajuda
Rosmeri Zimermann é coordenadora do Abrigo Vanusa Covati há 11 anos – nome dado ao local em homenagem a uma advogada bastante envolvida a defesa das mulheres. ‘Meri’, como é chamada, contou que o abrigo serve como serviço de acolhimento para mulheres em situação de violência doméstica e familiar desde 2005, mantido pela a Secretaria de Assistência Social de Cascavel, atendendo as mulheres e seus filhos ou dependentes em caráter provisório.
Logo após a criação do abrigo, em 2006 foi aprovada a Lei Maria da Penha que prevê as violências física, sexual, psicológica, moral ou patrimonial como forma de agressão à mulher. O local conta com uma equipe multidisciplinar com psicóloga, seguranças, cozinheiras, zeladoras e educadoras sociais. Segundo Meri, a maioria das mulheres atendidas no local tem condição financeira difícil e que acabam perdendo, muitas vezes, até o apoio da família por diversas situações, já que em muitos casos elas acabam indo e voltando do relacionamento, perdendo a confiança e também vínculo familiar.
“Muitas chegam aqui somente com a roupa do corpo, mas temos todo um trabalho junto com a Guarda Municipal de retornar ao lar para elas buscarem os seus pertences. Também ajudamos todo o processo judicial, enquanto eles ficam conosco”, contou. Nesse meio tempo, os filhos ou dependentes continuam frequentando a escola ou a educação infantil com apoio de transporte uma motorista do serviço do abrigo.
De 2016 até agora já passaram pelo o local 1.251 mulheres e dependentes, sendo que a capacidade máxima é de abrigar até 20 pessoas. “Não é só acolher e proteger, sempre vamos muito mais além disso. Ajudamos as mulheres que passam por aqui a serem reinseridas na sociedade e a ter uma vida, mas desta vez, diferente”, concluiu a coordenadora.