Cotidiano

Matheus Nachtergaele lança livro póstumo de poemas de sua mãe

PARATY – Guardadas sobre um encarte dourado, como um tesouro, as singelas folhas, quase lâminas, ficam dispostas umas em cima da outra, sem costuras que as prendam. O livro ?A Mariposa? (Polvilho edições), com os poemas de Maria Cecília Nachtergaele, que será lançado hoje no Centro Cultural Sesc Paraty, às 14h, chega ao leitor no mesmo formato em que Matheus Nachtergaele, filho da autora e responsável pela publicação, recebeu a obra, aos 16 anos.

? Quis dar os poemas às pessoas da mesma maneira que os recebi. Minha mãe havia organizado numa pasta com as folhas soltas. As páginas delicadas remetem ao formato amolecido de papéis que ficaram mais de 10 anos guardados numa gaveta. São como uma joia ? explica Matheus Nachtergaele, que se debruçou sobre a obra da mãe, morta quando ele tinha três meses, ao cometer suicídio.

Desde julho do ano passado, o ator encena a peça ?Processo de conscerto do desejo? com os poemas de sua mãe. Hoje, às 20h, ele apresenta o espetáculo também no Centro Cultural Sesc, com senhas sendo distribuídas a partir das 18h30m. Numa constante busca da identidade da sua mãe ? uma mulher inteligente, bonita e ?delicadamente violenta?, segundo o filho ? Nachtergaele diz que não sabe descrever o seu sentimento com o lançamento do livro, que concretiza um desejo de criança.

? Diria que estou entre o emocionado e o enciumado. Prometi a mim mesmo, desde pequeno, que publicaria a obra. Não sei se era a intenção dela, mas acho que sim. Em alguma instância ela acreditava que seria bonito. Se não fosse por mim, a obra estaria perdida.

Convidado pelo Centro Cultural Sesc Paraty, Nachtergaele acredita que sua presença, com o trabalho de sua mãe, ganhou sentido pela escolha de Ana Cristina Cesar como homenageada da Flip 2016. Assim como a poeta marginal, Maria Cecilia teve sua ? enxuta ? obra explorada postumamente. O suicídio precoce também é uma semelhança que une as duas autoras.

? Havia uma espécie de ?pré-feminismo? no trabalho da minha mãe ? opina o ator, que diferencia o suicídio masculino do feminino. ? A mulher ao se matar trava uma queda de braço com Deus. Não gostaria de usar uma visão machista, mas acho que, pelo fato da mulher carregar naturalmente a responsabilidade da vida e da proteção, o seu suicídio é mais agressivo; reverte totalmente a lógica. É uma fala machista, mas acho lindo o dom de mãe da mulher. Aliás, hoje em dia o desejo das mulheres é que esse tipo de lógica não seja mais natural. E a valorização de obras como a de Ana C. tem tudo a ver com isso.

?A Mariposa?, diz Nachtergaele, dá prosseguimento à sua ?relação luminosa? com a mãe, impulsionada pela peça. Ao homem angustiado pela falta de registros fotográficos de quando bebê, a montagem de ?Processo de conscerto do desejo? proporcionou uma aproximação maior não só com uma tardia figura materna, mas também com a própria família.

? Me deixava muito triste não ter fotos com minha mãe. Recentemente, por causa da peça, uma tia se reaproximou de mim e me deu fotos antigas. Ao olhar, pude ter certeza que eu mamei na mamãe. Foi um alívio, torna o vínculo afetivo ainda mais forte.

Da ausência, Matheus Nachtergaele construiu um ritual de celebração, que lhe satisfaz como um filho na eterna busca da mãe, e ao público, ?que está sempre tentando preencher uma falta?, diz o ator.

? A peça é para aprender a ser feliz, transformar a dor em pérola. E isso serve a mim e ao público. O vazio é sempre bom para celebração, seja artística ou até mesmo religiosa. Esse processo todo é como uma ostra. A pérola surge quando a ostra se machuca. A peça e o livro são frutos da dor, mas que ao serem trabalhados, chegam à luz.