Cotidiano

Maioria nas universidades, mulheres ainda são raras nos cargos mais altos

Danielle Silva 2 - Grupo Albero.JPG Mulheres RIO – Mulheres são 51,4% da população do Brasil e hoje ocupam 60% das vagas nas universidades. No entanto, detêm apenas 11% das cadeiras nos conselhos de administração das maiores empresas do país. Uma pesquisa divulgada recentemente pelo Instituto Ethos, com apoio da ONU Mulheres, revela que elas levam vantagem em relação aos homens apenas nos cargos de baixo escalão, como aprendizes e estagiários, com participação de 55,9% e 58,9%, respectivamente.

No entanto, perdem espaço já a partir da fase trainee, com 42,6%. Nos níveis superiores seguintes, estão ainda menos presentes, com porcentagens de 35,5% no quadro funcional, 38,8% na supervisão, 31,3% na gerência e 13,6% no quadro executivo (além dos já citados 11% no conselho de administração). O pior é que essa situação praticamente não mudou em relação à ultima pesquisa, feita em 2010: 13,7% na época e 13,6% agora.

NO PÚBLICO E NO PRIVADO

Se nas empresas a melhora foi ínfima, no governo, a queda foi brusca. Segundo um cálculo pedido pela BBC Brasil ao Fórum Econômico Mundial, a ausência de mulheres à frente dos ministérios do presidente em exercício Michel Temer pode levar o país a despencar 22 posições no ranking do Índice Global de Desigualdade de Gênero.

A organização calculou o impacto imediato de um gabinete composto somente por homens e concluiu que o Brasil cairia do 85º para o 107º lugar na lista. Maria Silvia Bastos, que assumiu esta semana a função de presidente do BNDES, é uma das poucas mulheres a ocupar cargos de ponta no governo.

Voltando ao mundo corporativo, executivas falam da dificuldade que é galgar degraus até a liderança. Adriana Pinto, diretora executiva da empresa de prestação de serviços Masan, afirma que a dedicação das mulheres é ?infinitamente maior? que a dos homens, e acredita que elas não conseguem alcançar postos mais altos devido a limitações impostas por superiores.

? Há um corporativismo, machismo mesmo. Não há respeito integral da posição da mulher ? critica ela.

Na área industrial são raros os casos de mulheres em altos cargos. Exceção à regra, a gerente comercial e de marketing da fábrica de móveis de escritório Tecnoflex, Julianne Muggiati, diz que no setor há predominância masculina da linha de produção aos cargos de diretoria. No entanto, nunca teve problema com isto.

? Sempre trabalhei confiante, nunca tive medo de confrontos e sempre trabalhei em busca de resultados ? afirma.

Adriana Pinto (1).jpgNo caso dos negros, a situação apontada pelo estudo da ONU Mulheres é mais alarmante: são maioria nos contingentes de aprendizes e trainees (57,5% e 58,2%, respectivamente), mas a participação passa para 6,3% na gerência e 4,7% no quadro executivo.

O estudo não especificou a porcentagem de mulheres negras na liderança, mas Danielle Silva crê que tal número é ínfimo. Gerente de operações do Grupo Albero (holding que administra as redes de alimentação Via Verde, Toca do Biscoito, Clube Caramelo e Frugale), formada em marketing, com 32 anos de idade e 16 de carreira, ela passou por diversas companhias no ramo de moda e agora cuida da expansão de franquias e lojas. Mesmo assim, sente que às vezes é olhada com desconfiança.

? Algumas pessoas ainda ficam surpresas quando me apresento como gerente. Em uma reunião fui receber as pessoas e acharam que eu era recepcionista e estaria ali para levá-los ao encontro da chefia ? lamenta.

ESCOLHA DECISIVA

O próximo passo na carreira de Danielle é conseguir ajustar sua agenda para cursar a segunda faculdade: desta vez, estudará Direito. Tal escolha pode ser decisiva para a gerente alcançar andares mais altos, na opinião de Ana Paula Montanha, sócia da Jobplex no Brasil, empresa especializada em recrutamento e seleção de executivos de alto escalão.

Trabalhando com multinacionais americanas e europeias, Ana Paula afirma que não há distinção do sexo nem de raça na hora da escolha. Como fator primordial para a ausência feminina no alto escalão, ela aponta a opção pela área de humanas na faculdade.

? Na universidade, as mulheres são maioria. No entanto, 54% escolhem carreiras em educação, humanas e artes. Quando analisamos o perfil dos presidentes das empresas, eles são formados em Engenharia, Administração, Economia e Direito. As mulheres não estão entrando na universidade para virar presente das empresas. Para que elas cheguem, temos que incentivar que ela façam exatas ou Direito para ocupar os cargos nas multinacionais.

Nadine Gasman, representante da ONU Mulheres Brasil, discorda da visão de Ana Paula. Para ela, as empresas é que precisam se modernizar para aceitar mulheres e vários tipos de formação universitária em seus conselhos.

? Acho que uma empresa que só tem homens formados em Engenharia no conselho está fadada ao fracasso. E se as empresas não se atualizarem, será difícil encontrar mulheres com esse tipo de formação para assumir determinadas funções ? diz Nadine.

Ainda segundo a pesquisa do Instituto Ethos/ONU Mulheres, a maioria das principais empresas brasileiras não promove ações afirmativas para incentivar a presença feminina em seus quadros. O que ocorre são ações pontuais em vez de políticas com metas e iniciativas planejadas.

Julianne Muggiati - Divulgação Tecnoflex (1).jpgDe acordo com Eva Hirsch Pontes, coach executiva e professora convidada da Fundação Dom Cabral, muitas companhias mantêm uma cultura que prioriza o modelo de liderança masculino, dificultando a chegada de mulheres ao comando.

? No Brasil há poucas ações afirmativas para reduzir a desigualdade de gêneros. E é um contrassenso porque pesquisas comprovam que empresas com mulheres nos seus conselhos administrativos têm melhores resultados financeiros. Além disso, as competências mais importantes para a liderança no século XXI são mais frequentemente encontradas nas executivas. É o caso do desenvolvimento de pessoas e dos processos participativos de tomada de decisão ? afirma Eva.

Na Natura, foi criada uma área de diversidade dentro da diretoria de Recursos Humanos para que a empresa pudesse cuidar de perto das questões de gênero, racial e da inclusão de deficientes. Fátima Rosseto, diretora de RH da empresa, acredita que a transformação é uma forma de a companhia ser mais ser estratégica.

? Em nossa política, publicada há dois anos, incluimos o compromisso de ter 50% de mulheres nos cargos de liderança até 2020. Hoje este índice está em 34% ? explica Fátima, lembrando que a empresa oferece uma série da facilidade para que as mães possam ficar mais tranquilas no trabalho e consigam focar em seus próximos passos na carreira.

ESTRATÉGIA NAS MÉDIAS

Já a Coca-Cola tem, desde 2007, a iniciativa global de aumentar a descoberta de talentos femininos. No país, a companhia criou um conselho interno misto, composto por funcionários de ambos os sexos, cujo objetivo é acelerar o desenvolvimento no ambiente de trabalho.

O conselho é responsável por elaborar meios para o fortalecimento do papel feminino. Pede-se, preferencialmente, 50% de mulheres em qualquer processo seletivo da companhia.

A agenda de inclusão não deve atingir só as grandes empresas. Pequenas e médias também devem fazer o dever de casa. Na agência Novos Elementos, focada no mercado digital, são elas que dominam: lá trabalham 15 mulheres e seis homens. O diretor executivo Celso Fortes explica que a contratação não é definida pelo gênero, mas afirma que prefere trabalhar com mulheres.

? Foi uma coisa meio por acaso. O início foi com mulheres, e a agência foi crescendo. Elas têm mais atenção com o cliente, são criativas. E faltam menos ? enumera.

*Colaborou Daniel Gullino