SÃO PAULO. Em meio a boatos de que seria alvo da Operação Lava-Jato esta semana, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva diz, em um longo artigo publicado nesta terça-feira pelo jornal ?Folha de S.Paulo?, que ?jamais encontraram um ato desonesto de minha parte? e que acredita ser ?parte da disputa política, muito embora seja um método repugnante de luta?.
Defendendo seu legado (?sei o que fiz antes, durante e depois de ter sido presidente?) e criticando o que considera abusos da Lava-Jato e uma ?perigosa ignorância de agentes da lei?, Lula garante não ter feito nada ilegal ou que pudesse manchar a sua história. Diz que tenta compreender a ?caçada? que acredita sofrer como ?parte da disputa política, muito embora seja um método repugnante de luta?.
?Não é o Lula que pretendem condenar: é o projeto político que represento junto com milhões de brasileiros?, disse Lula, garantindo que foram lançadas sobre ele ?falsas acusações? e que ele é vítima, prestes a completar 71 anos, de uma ?verdadeira caçada judicial?.
?Devassaram minhas contas pessoais, as de minha esposa e de meus filhos; grampearam meus telefonemas e divulgaram o conteúdo; invadiram minha casa e conduziram-me à força para depor, sem motivo razoável e sem base legal. Estão à procura de um crime, para me acusar, mas não encontraram e nem vão encontrar?, salienta.
Para o ex-presidente, essa ?caçada? começou na campanha presidencial de 2014. Lula diz que não abriu mão de sua agenda por conta disso, ?para debater e defender o projeto de transformação do Brasil?.
?Não parei para me lamentar e nem desisti da luta por igualdade e justiça social?, escreveu, citando vários programas do PT que possibilitaram a ?maior ascensão social de todos os tempos? no Brasil.
?Abusos? e ?perigosa ignorância? de agentes da lei
?Não posso me calar, porém, diante dos abusos cometidos por agentes do Estado que usam a lei como instrumento de perseguição política. Basta observar a reta final das eleições municipais para constatar a caçada ao PT: a aceitação de uma denúncia contra mim, cinco dias depois de apresentada, e a prisão de dois ex-ministros de meu governo foram episódios espetaculosos que certamente interferiram no resultado do pleito?, escreve Lula.
O ex-presidente se isenta de ter praticado ou autorizado qualquer tipo de corrupção dentro da Petrobras ou do governo.
?Desde a campanha eleitoral de 2014, trabalha-se a narrativa de ser o PT não mais partido, mas uma ?organização criminosa?, e eu o chefe dessa organização. Essa ideia foi martelada sem descanso por manchetes, capas de revista, rádio e televisão. Precisa ser provada à força, já que ?não há fatos, mas convicções??.
Lula diz não descartar que seus acusadores acreditem nessa ?tese maliciosa, talvez julgando os demais por seu próprio código moral. Mas salta aos olhos até mesmo a desproporção entre os bilionários desvios investigados e o que apontam como suposto butim do ?chefe?, evidenciando a falácia do enredo?.
Lula afirma ainda perceber uma ?perigosa ignorância de agentes da lei quanto ao funcionamento do governo e das instituições?.
?Cheguei a essa conclusão nos depoimentos que prestei a delegados e promotores que não sabiam como funciona um governo de coalizão, como tramita uma medida provisória, como se procede numa licitação, como se dá a análise e aprovação, colegiada e técnica, de financiamentos em um banco público, como o BNDES?.
O ex-presidente continua:
?De resto, nesses depoimentos, nada se perguntou de objetivo sobre as hipóteses da acusação. Tenho mesmo a impressão de que não passaram de ritos burocráticos vazios, para cumprir etapas e atender às formalidades do processo. Definitivamente, não serviram ao exercício concreto do direito de defesa?.
?Operações vazadas com estardalhaço?
O ex-presidente fala sobre os dois anos da Lava-Jato e critica as operações ?sempre vazadas com estardalhaço? e que não conseguiram encontrar ?nada capaz de vincular meu nome aos desvios investigados?.
?Nenhum centavo não declarado em minhas contas, nenhuma empresa de fachada, nenhuma conta secreta?, salientou, afirmando que há 20 anos mora no mesmo apartamento, em São Bernardo do Campo.
?Entre as dezenas de réus delatores, nenhum disse que tratou de algo ilegal ou desonesto comigo, a despeito da insistência dos agentes públicos para que o façam, até mesmo como condição para obter benefícios?, continua Lula.
?A leviandade, a desproporção e a falta de base legal das denúncias surpreendem e causam indignação, bem como a sofreguidão com que são processadas em juízo. Não mais se importam com fatos, provas, normas do processo. Denunciam e processam por mera convicção – é grave que as instâncias superiores e os órgãos de controle funcional não tomem providências contra os abusos?.
Apartamento e palestras
Repetiu o que diz sua defesa, de que não é dono do apartamento no Guarujá, alvo de investigação na Lava-Jato. Lula alega que não quis comprar o apartamento quando lhe foi oferecida a oportunidade, ?nem mesmo depois das reformas que, obviamente, seriam acrescentadas ao preço?.
?Como é impossível demonstrar que a propriedade seria minha, pois nunca foi, acusam-me então de ocultá-la, num enredo surreal?.
Ele também cita as palestras que deu após deixar a Presidência, outra linha investigada pela Lava-Jato.
?Como posso ser acusado de corrupção, se não sou mais agente público desde 2011, quando comecei a dar palestras? E que relação pode haver entre os desvios da Petrobras e as apresentações, todas documentadas, que fiz para 42 empresas e organizações de diversos setores, não apenas as cinco investigadas, cobrando preço fixo e recolhendo impostos??, indaga o ex-presidente.
Lula diz que seus ?acusadores? sabem que ele não roubou, não foi corrompido e nem tentou obstruir a Justiça, ?mas não podem admitir. Não podem recuar depois do massacre que promoveram na mídia?.
?Tornaram-se prisioneiros das mentiras que criaram, na maioria das vezes a partir de reportagens facciosas e mal apuradas. Estão condenados a condenar e devem avaliar que, se não me prenderem, serão eles os desmoralizados perante a opinião pública?, escreveu o ex-presidente, voltando a afirmar que as instituições se fortaleceram durante seu governo e ele sempre incentivou isso.
?Tenho a consciência tranquila e o reconhecimento do povo. Confio que cedo ou tarde a Justiça e a verdade prevalecerão, nem que seja nos livros de história. O que me preocupa, e a todos os democratas, são as contínuas violações ao Estado de Direito. É a sombra do estado de exceção que vem se erguendo sobre o país?, finalizou.