RIO ? Diretor de espetáculos como ?Quase normal?, ?Baby? e ?Tudo ou nada?, Tadeu Aguiar promovia testes para o elenco de ?Love story?, no início deste ano, quando notou, já na primeira seleção, que 70% dos atores que ele havia escolhido (de mais de 700 inscritos) eram negros. Na mesma época, um amigo seu, ciente da produção que começava a tomar forma, procurou-o: ?Tadeu, estou namorando um cara que é negro. Tem papel para negro na sua peça??. Tadeu se deu conta, então, de que algo estava errado.
? Quando a gente recebe um roteiro, não vem escrito assim: ?Howard, branco?. Só vem especificado quando é negro. Por que isso? Por que qualquer pessoa não pode fazer qualquer papel? Por que não todos negros? ? questiona ele.
Tadeu decidiu, então, que seu espetáculo teria um elenco exclusivamente afrodescendente. ?Love story, o musical? estreia nesta sexta no Imperator, às 21h, com 11 atores-cantores-dançarinos em cena, todos negros. A informação nem deveria ser relevante, a esta altura, mas, pelos comentários e reações que provocou, vê-se que ainda é.
Nas redes sociais, houve quem dissesse que se tratava de ?segregação?. ?E, quando o elenco é todo branco, trata-se de quê??, retrucou o diretor, que, à medida que ensaiava, foi acumulando novas informações sobre preconceito. A atriz Flavia Santana, por exemplo, disse a ele que pela primeira vez seu filho de 7 anos não a veria num papel de namorada de traficante ou de empregada doméstica. O ator Emilio Farias contou da filha de amigos que, brincando de casinha com meninas brancas, assumira para si o papel da faxineira. Making of de ‘Love story’
Mas ainda que afirme não querer promover nenhuma ação afirmativa nem levantar a bandeira da negritude, o diretor reconhece:
? Vai acabar sendo um ato político porque estamos contando uma história em que o fato de os atores serem negros ou brancos não tem importância para a trama. O mais bacana é que, quando se assiste ao espetáculo, em nenhum momento passa pela cabeça: ?estou vendo uma peça só com atores negros?. Na verdade, estamos vendo uma peça com seres humanos que falam de amor.
?Love story? é uma versão musical para o filme que fez milhões de pessoas derramarem lágrimas em todo o planeta em 1970 ? o longa de Arthur Hiller, com Ryan O?Neil e Ali MacGraw como um apaixonado casal de estudantes, foi o mais visto naquele ano, rendendo US$ 106 milhões então (à época, a sexta maior bilheteria na história do cinema americano).
A trama surgiu como um roteiro, de Erich Segal, mas a Paramount, estúdio ao qual foi apresentada, pediu ao autor que escrevesse um romance, pois acreditava que a produção teria mais chance de sucesso se fosse ?adaptada? de um livro. Lançado no início daquele ano, o livro de Segal tornou-se um best-seller instantâneo, tendo sido traduzido para 33 idiomas.
O curioso é que só 40 anos depois o drama sentimental que imortalizou a frase ?amar é jamais ter que pedir perdão? seria transposto para um palco. Os ingleses Stephen Clark (texto e letras) e Howard Goodall (música e letras) escreveram a peça que estreou em 2010 no Chichester Festival Theatre, em Sussex, e no mesmo ano no West End de Londres. Tadeu teve contato com a obra quando pesquisava no site MTA (Musical Theatre International). Comprou pela internet o CD com as canções, apaixonou-se e negociou os direitos.
A versão brasileira é assinada pelo colunista do GLOBO Artur Xexéo, que traduziu o texto e fez as versões das músicas. Xexéo lembra de ter visto o longa numa sessão de madrugada.
? Na época os filmes tinham cinco sessões diárias, mas a expectativa em torno de ?Love story? era tão grande que ele estreou no Veneza com 12 sessões diárias. Foi uma comoção. Eu mesmo assisti às 4h ? conta. ? O público, tanto do livro, como do filme e do musical, sabe que vai assistir a uma história sem final feliz; o texto anuncia isso logo no início: ?O que dizer de uma garota que gostava de Beatles e Bach e morreu aos 25 anos??. Mas o espetáculo trata isso de uma maneira leve.
Xexéo se permitiu uma única licença poética. O texto do musical não incluía a frase que se tornou célebre. No contexto do filme, ela é dita após a primeira briga do casal, já morando junto em Nova York depois de ter enfrentado a oposição da família dele. Ela sai pela cidade, e ele vai desesperado atrás dela. Quando a encontra, pede perdão, ao que ela responde: ?Amar é jamais ter que pedir perdão?.
? No musical, toda essa correria por Nova York é substituída por uma música ? conta Xexéo. ? Incluí a frase na canção, porque achei que algumas pessoas sairiam frustradas se fossem ver a peça e não ouvissem essa frase.
Na montagem brasileira, Oliver Barrett IV, filho de uma família rica, importante e protestante, estudante em Harvard, é vivido por Fábio Ventura; Jennifer Cavilleri, a filha de imigrantes italianos, pobre e católica, é interpretada por Kacau Gomes. Ambos têm longa trajetória em musicais ? Ventura, até a semana passada, estava no elenco de ?Rita Lee mora ao lado?, em cartaz em São Paulo; Kacau fez, entre muitos outros, ?Beatles num céu de diamantes? e ?Jekyll & Hyde ? O médico e o monstro?.
Se, em 1970, filme e livro fizeram sucesso porque havia uma carência de histórias de amor ? ?Elas estavam meio fora de moda, era a época do novo cinema americano?, lembra Xexéo ?, hoje o cenário é outro. Mas…
? A gente está vivendo uma época de tanta intolerância, tantos debates raivosos. Vir falar de amor hoje em dia é um ato de coragem ? aposta o ator Fábio Ventura.
?Love Story, o musical?.
Onde: Imperator ? Rua Dias da Cruz 170, Méier (2597-3897).
Quando: Sex. e sáb., 21h; dom., 19h. Até 31/7 .
Quanto: R$ 60.
Classificação: 10 anos.