?Nasci em Aracaju, tenho 34 anos. Sempre quis fazer Teatro e Cinema. Estudei em São Paulo e moro em Berlim. Fui selecionado com um projeto de pesquisa sobre homofobia no Brasil e na Alemanha para uma bolsa de estudos concedida pelo governo alemão para pessoas naturais de um dos países do Brics.?
Conte algo que não sei.
Dentre os refugiados das guerras que vão buscar asilo na Alemanha, há pessoas de países que não estão em guerra, mas que criminalizam a homossexualidade, como Rússia, Nigéria, Uganda e outros países da África. O problema é que elas ficam em campos de refugiados com outras pessoas que têm a mesma visão em relação à comunidade LGBT, e acabam sofrendo preconceito lá dentro, também. Depois de colocarem fogo num menino que era gay e de homossexuais sofrerem muitas represálias, o governo alemão criou um campo para refugiados LGBTs, em Berlim.
Qual a importância de pesquisar sobre o preconceito contra a comunidade LGBT?
Falar sobre o assunto já é importante, porque tenho a sensação de que a história do mundo é cíclica e as coisas se repetem. Berlim, na década de 20, era considerada um paraíso gay na Europa. Mas veio o nazismo e acabou com tudo. Em três anos, as pessoas começaram a ser perseguidas, denunciadas pelos vizinhos. Foi criada uma lei que tratava a homossexualidade como crime. Hoje, Berlim é de novo um lugar onde há liberdade para os homossexuais, tanto que muita gente está pedindo asilo para lá. Mas, ao mesmo tempo, recomeça uma onda superconservadora e de extrema-direita fascista pedindo que não haja mais casamento gay e a retirada de todas as poucas liberdades alcançadas. A extrema-direita se fortalece na Europa.
Há preconceito contra homossexuais na Alemanha?
O nazismo teve um peso tão grande na vida das pessoas que cada um toma conta da sua vida, e ninguém vai xingá-lo ou agredi-lo na rua por ser gay. Não é igual ao Brasil, onde as pessoas são espancadas e assassinadas por serem gays. Só que os alemães se acham muito evoluídos e que não existe preconceito, mas ainda é igual ao mundo inteiro: uma mãe não quer ter filho gay, e é sempre um problema para um jovem se assumir. Mas não tem o peso da violência física e do assassinato. Avançamos, mas o risco é que, da mesma forma que na década de 20 era muito legal e piorou, agora está muito legal e pode piorar. Precisamos falar sobre isso de alguma forma.
E a situação no Brasil?
Aqui, as pessoas estão se sentindo no direito de cercear a liberdade do outro por conta de figuras públicas e políticas que incentivam e incitam a violência na mídia o tempo todo. Quando um pastor afirma que é um pecado abominável ser gay dá liberdade para uma pessoa bater na outra na rua, por exemplo, e dizer: ?Você não é certo, não é uma figura de Deus, então vou espancá-lo.? No Brasil, essas pessoas estão ganhando cada vez mais voz, o que é um perigo muito grande.
Não é irônico o Brasil ser considerado liberal no exterior?
O Brasil é o país que mais mata LGBTs no mundo todo, principalmente transexuais. Quando eu conto isso na Alemanha, todos ficam chocados, porque as pessoas imaginam que há liberdade sexual aqui no Brasil.
A arte permite conquistar um lugar social mais livre para a comunidade LGBT?
Com certeza. Acho que tem a ver com representatividade mesmo, de sentir que você não está sozinho e que tem gente no mundo inteiro vivendo as mesmas questões. Em alguns países, de formas até muito piores, como é o caso dos países africanos, ou na Rússia. É importante perceber que os direitos que foram conquistados têm que ser muito bem protegidos, para que não sejam perdidos.