Cotidiano

Joël Pommerat pensa dramaturgia como um corpo

Autor e encenador, Joël Pommerat pensa dramaturgia como um corpo que reúne texto e encenação. Admirado por nomes como Ariane Mnouchkine e Peter Brook, o francês foi apresentado ao Brasil pelo diretor Marcio Abreu, com ?Esta criança? (2012), e em março passado foi destaque na Mostra Internacional de Teatro de São Paulo (MITsp), quando apresentou ?Cendrillon? e ?Ça ira?. Agora, ele tem outro texto em cartaz no Rio, ?A reunificação das duas Coreias?, que lhe deu o Grand Prix de la Critique em 2013. Enquanto isso, adapta ?Pinóquio? para uma ópera com o compositor Philippe Boesmans.

Em ?Ça ira?, você faz uma conexão com o passado, investigando as bases da Revolução Francesa para fazer pensar na crise da democracia atual. Que contribuição as artes têm a dar quando abordam questões como xenofobia, protecionismo e intolerância?

A crise da democracia na Europa, o extremismo e o medo inevitavelmente me fazem reagir. Mas não escrevo um teatro militante. Por outro lado, ?Ça ira? propõe uma volta às nossas raízes, à origem de nossa democracia, o que pode nos ajudar a compreender o presente. Talvez esse espetáculo possa reviver ou despertar em alguns sentimentos políticos, o desejo de se envolver, reagir. Eu adoraria que o teatro pudesse envolver mais a sociedade, mas sou obrigado a ceder às evidências: ele só atinge uma minoria.

Então, o que o anima a continuar? O que busca neste momento?

Agora faço uma pausa. Acabei de organizar um workshop de teatro sem palavras e me dou um tempo para pensar. Enquanto isso, reescrevo ?Pinóquio? para adaptá-lo à ópera, em colaboração com o compositor Philippe Boesmans. Em trabalhos recentes, tenho buscado que texto, encenação e música sejam criados ao mesmo tempo. Esta fusão é o que procuro.

O que o levou a escrever ?A reunificação das duas Coreias?, que investiga o afeto em diferentes perspectivas? O que buscava?

?A reunificação…? é uma peça de escrita espontânea, ao contrário de outros espetáculos nos quais parti de uma história ou trama. O decisivo, neste caso, foi a relação com o espaço, meu desejo de trabalhar num espaço bifrontal. Ele é o elemento que desencadeia a escrita, e trabalhei por vários meses com atores, trazendo documentos, jornais, livros, filmes etc. Fui procurando a peça a partir de composições, e não escrevi para passar uma mensagem. Ela gira em torno de laços afetivos, talvez do amor, das representações que os personagens têm… Mas nunca imponho meu pensamento, porque ele é desinteressante e mutável.

A peça traz diferentes situações ou micro-histórias independentes. ?Esta criança? também. O que é similar nelas?

Nos dois casos, as cenas são independentes, como pequenas notícias que dizem respeito a um momento na vida de personagens dos quais nada sabemos. É na imaginação do espectador que são construídos os ecos, variações ou contrapontos entre as situações apresentadas. Escrevo cada cena a partir do trabalho com os atores e faço a montagem no fim dos ensaios, sem buscar controlar a estrutura e seus efeitos. É uma sequência de instantes. Isso não chega a ser uma guinada artística, mas me aproximo de um teatro que poderia ser chamado de concreto ou realista, ou também psicológico, mas com humor.

E para a encenação, o que você buscava na relação entre texto, atuação, cenário, luz, som, imagens?

Não separo a escrita da encenação. E escrevo nos ensaios, então trabalhei ? como em outros espetáculos ? com cenografia, som, luz e figurinos desde o início. Isso dá força orgânica à escrita e também permite não dizer tudo: o texto é um elemento, entre outros. Um gesto ou uma música transmitem tanto sentido quanto.