RIO – A água escorre pela escada estreita de pedra do sobrado de três andares no
número 23 da Rua da Constituição, no Centro. O aspecto muito velho e abandonado
do imóvel contrasta com os trilhos do moderno VLT que passará bem na porta do
casarão. Nas paredes, dezenas de fios aparentes guiam o olhar até o último
degrau, de onde vem a voz com sotaque nordestino de Marcleide Alvez. Ela vive em
um minúsculo apartamento com o marido, em meio a outras 23 famílias que ocupam o
imóvel. Com 160 quilos, não anda há quatro anos. A construção é um dos dez
imóveis que o governo do estado pretende passar para o Rioprevidência vender e,
com isso, arrecadar dinheiro que ajudará a cobrir o rombo de caixa do órgão. Na
lista há prédios invadidos, loja de fantasias, estacionamentos e até a Ilha de
Brocoió, na Baía de Guanabara, que era usada por governadores em período de
férias. O estado hoje gasta R$ 15 mil mensais para manter o local.
A julgar pela aparência dos imóveis, a tarefa do Rioprevidência de arrecadar
dinheiro com eles não vai ser nada fácil. Além do sobrado na Rua da
Constituição, outra construção antiga também está ocupada. O imóvel na Praça
Tiradentes, nos números 75 e 77, tem apenas a fachada do que já foi um sobrado ?
o restante desabou. Lá, moram de forma improvisada Túlio Pereira, a mulher e a
filha do casal. Ele trabalha na pequena loja de doces que montou no local e
garante ter alvará. Túlio não se considera invasor e afirma que ?toma conta? do
espaço: Crise – 09/06
? Moro aqui há 20 anos e cuido disso aqui. Se não fosse por mim, teria mais
de 50 famílias aí dentro. Se o governo quiser vender, vou procurar meus
direitos, quero ser indenizado.
Marcleide, moradora há dez anos da Rua da Constituição, diz ter atestado de
invalidez, o que impediria o estado de despejá-la:
? Faz anos que o governo veio aqui e me cadastrou no Minha Casa Minha Vida,
mas até hoje não vi a chave. Eu não posso andar. Estou na fila para fazer
cirurgia bariátrica.
EM NITERÓI, APARTAMENTO EM ICARAÍ
Ainda no Centro, há o número 37 da Praça Tiradentes, onde funciona uma
oficina de artesanato, o Atelier Jeitinho Carioca, e o 173 da Rua Senhor dos
Passos, onde está a loja Maik Mik, que vende fantasias e artigos para festas. Em
Botafogo, no lote 1 da Rua Principado de Mônaco, fica uma pequena construção,
ocupada por entulho, e um pátio, usado como estacionamento por veículos do
governo.
Para o presidente da Patrimóvel, Rubens Vasconcelos, os imóveis do estado não
estão em regiões muito valorizadas.
? As ruas da Constituição e Senhor dos Passos não são atualmente bons locais
Confira os imóveis que o governo do Rio vai colocar à vendano Centro. Para vender rápido esses imóveis, vai ter que baixar o preço ?
explica.
A situação dos imóveis em Niterói não é diferente. Um deles é um apartamento
de quarto e sala na Rua Otávio Carneiro, a poucos metros da Praia de Icaraí,
área nobre. Os moradores afirmam que, há 15 anos vazio, ele tem uma pendência
judicial. Estaria avaliado em R$ 400 mil. Há ainda lotes na quadra 79 da Rua 50,
no Engenho do Mato, em Itaipu. Cada um com cerca de 450 metros quadrados, eles
estão inacessíveis, pois o Ciep Rui Brasão foi construído na área, bloqueado o
acesso. Um morador, que ficou isolado, ocupou quatro metros dos lotes 2 e 3, ao
lado de sua casa.
? Estamos aqui desde 1981. Há poucos anos, quando houve anistia de IPTU,
entrei na Justiça requerendo os lotes 2 e 3 ? contou.
Presidente do Rioprevidência, Gustavo Barbosa, afirma que não espera que a
venda dos imóveis cubra o déficit do órgão, de R$ 12 bilhões este ano. Ele disse
que pode fazer acordo com as pessoas que ocupam os imóveis:
? Se não for possível, solicitamos a reintegração de posse.