RIO ? A cena lembra a imagem consagrada pelo filme ?Pequena Miss Sunshine?. Sete atores, com um bebê entre eles, empurram uma kombi do início da dácada de 1990 para que o motor pegue no tranco. São 15 segundos entre começar a empurrar e subir rapidamente no veículo sem que ninguém seja deixado para trás. A comédia da vida real é protagonizada pelo grupo teatral Os Bruxos da Corte. A trupe é de Palhoça, Santa Catarina, mas não se espante se encontrá-los enfrentando os habituais desalentos nas ruas de Botafogo ou de outros bairros da Zona Sul do Rio. Os atores, que já estão viajando há mais de um mês, estão hospedados na Rua Farani. Vieram para o Rio para a apresentação da peça ?#FamiliaReunidaNaGuerra? no Teatro Glauce Rocha, no Centro, que será encenada até domingo.
A kombi, que recebeu o apelido carinhoso de Marcianita, é tão protagonista da história quanto os próprios atores. Entrou no grupo por meio de uma doação feita pelo governo do estado de Santa Catarina em 2014 para que eles pudessem fazer o transporte dos cenários dos espetáculos. Uma das montagens, aliás, ?Marcianita, a princesa de Marte?, acabou dando nome ao carro. O veículo, todo grafitado com máscaras teatrais, flores e desenhos de Charles Chaplin, serviu ainda para que os artistas pudessem dar continuidade ao seu projeto principal: a descentralização da arte, iniciativa que começou há 12 anos.
? Nosso lema é teatro alternativo feito em locais alternativos. O que acontece no Brasil é que os lugares distantes das capitais têm uma demanda artística muito grande. Por isso, nós temos a convicção de que é preciso descentralizar a arte ? explica o diretor Takashi Severo.
Embora a maioria das apresentações tenha sido realizada na Região Sul do país, o grupo viu uma oportunidade de se apresentar Brasil afora por meio do edital Cena Aberta, da Funarte. A proposta apresentada pela trupe, de apresentar a montagem ?#FamiliaReunidaNaGuerra” em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro, foi contemplada. Por isso, eles saíram de Palhoça há cerca de 45 dias rumo a Belo Horizonte. De improviso, se apresentaram em Ouro Preto, Minas Gerais. Entre confusões, risadas e eventuais noites maldormidas na kombi, os bruxos seguem com a mesma vontade de fazer teatro que os levou a iniciar a viagem.
? A gente está há muito tempo na estrada. É uma abnegação de várias coisas em busca de um sonho, que é fazer teatro ? conta Severo.
A atriz Tatiane Miiller complementa:
? A gente discute. Cada um tem uma mania, quer fazer uma coisa pelo bem do teatro. Mas se a gente não brigasse, não seria um grupo.
Uma das histórias mais engraçadas vividas pela trupe ocorreu quando estavam em Curitiba. A kombi foi roubada e levaram dela uma mala, quebrada e pesada, cheia de figurinos, que também tinha um pênis de 30 centímetros, objeto cênico, e um penico. Acionaram a polícia, que iniciou as buscas, e aguardaram. No meio da madrugada, avistaram a mala aberta no meio da rua.
? Olha a malaaa! Desceu todo mundo desesperado. Ela estava com quase tudo. Levaram apenas uma câmera antiga e o penico ? relembra a atriz Geruza Bandeira.
Com a mesma leveza que eles contam as memórias da kombi Marciana, eles falam da peça #FamiliaReunidaNaGuerra. O texto ?Piquenique no Front?, do espanhol Fernando Arrabal, e um dos mais representativos do Teatro do Absurdo, foi adaptado para o espetáculo, que já está em cartaz há dois anos e ganhou 16 prêmios. Fala da história de um pai e uma mãe corujas que, num domingo, vão fazer um piquenique em meio a bombardeiros no campo de guerra onde o filho, um soldado inexperiente, está servindo. O espetáculo é um drama cômico que faz o espectador refletir sobre a guerra, sobre a vida e a morte, e sobre as relações humanas. Depois do Rio, os bruxos apresentarão a peça em Porto Alegre, São Paulo e no interior de Santa Catarina.