RIO – A reunião realizada ontem entre o BNDES e o governo do Estado do Rio para discutir a concessão de serviços de saneamento da Cedae à iniciativa privada foi marcada por divergências. O governo do estado propôs conceder apenas o esgoto de 11 municípios da Baixada Fluminense e do Leste Metropolitano (Itaboraí e São Gonçalo), e não quer abrir mão da operação na cidade do Rio, afirmou uma fonte próxima às negociações. Isso corresponde a uma fração da proposta apresentada pelo banco ao Palácio Guanabara em agosto, que prevê conceder os serviços nas 64 cidades atendidas pela companhia. O BNDES ameaça retirar seu apoio ao projeto, caso o governo insista na redução da área de abrangência da concessão, segundo fontes envolvidas nas conversas.
A concessão de serviços de saneamento no Rio está entre os três casos incluídos no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) do governo federal. No modelo original do BNDES, a concessão dividiria o estado em quatro áreas geográficas que passariam para a iniciativa privada, tendo a cidade do Rio como âncora econômica. O modelo funcionaria com base no sistema de subsídio cruzado. A Cedae se manteria como produtora de água. A meta seria universalizar o abastecimento de água em cinco anos e a coleta e o tratamento de esgoto em 15 anos, com investimentos totais estimados em R$ 21 bilhões.
PARTICIPAÇÃO PRIVADA FUNDAMENTAL
O principal argumento do governo do estado em defesa do projeto que colocou sobre a mesa ontem ? resumido aos 11 municípios do entorno da Baía da Guanabara ? é a agilidade com que a licitação poderia ser realizada. A ideia é conceder só os serviços de coleta e tratamento de esgoto. A Cedae continuaria com a distribuição de água, mas a gestão comercial das contas passaria para a iniciativa privada.
? Não são propostas contraditórias. Mas os projetos de concessão dos serviços de esgoto na Baixada Fluminense e no Leste Metropolitano estão mais maduros, têm estudo realizado pela EBP (Empresa Brasileira de Projetos) e poderiam ser lançados com maior agilidade, talvez já a partir de dezembro. Existe uma convergência fundamental entre o BNDES e o governo do estado de que o negócio não é viável sem a participação da iniciativa privada. Agora será preciso aprofundar os estudos para a definição do modelo a ser seguido ? disse uma fonte.
O BNDES trabalha com uma estimativa de realizar a licitação dos serviços da Cedae de distribuição de água e coleta e tratamento de esgoto, seguindo o modelo de sua proposta original, até o fim de 2017.
? Se o governo do estado insistir nessa proposta (apresentada ontem ao banco), possivelmente o banco não estará junto ? disse uma fonte próxima ao comando do BNDES.
Para o presidente do Instituto Trata Brasil, Édison Carlos, excluir a capital não inviabiliza a concessão, mas pode ter impacto na tarifa:
? A capital, em qualquer estado, é a área mais rentável, com maior capacidade de pagamento. A região metropolitana do Rio tem uma grande população, logo, haverá interessados numa eventual concessão, mesmo que o Rio não seja incluído. A questão é a tarifa que se vai conseguir.
As operações da Cedae na cidade do Rio são a principal fonte geradora de receita para a companhia estadual de saneamento. E o governo trabalha para preservar a estatal, que teria faturamento e quadro de funcionários reduzido caso o modelo do BNDES seja adotado, segundo fontes a par da negociação. Em paralelo, mantém os processos de estudos de viabilidade técnico-econômica para concessão de áreas hoje sob responsabilidade da companhia, como o que envolve 25 comunidades cariocas com Unidades de Polícia Pacificadora (UPP). A ideia é conceder os serviços de água e esgoto em sete blocos de comunidades, incluindo Complexo do Alemão, Rocinha e Chapéu Mangueira.
Atualmente, a Cedae é responsável pelo saneamento em toda a cidade do Rio, conforme convênio de 50 anos celebrado entre a companhia, o Estado e a Prefeitura em 2007 e ratificado em 2010. Ficam de fora apenas as comunidades não pacificadas e a Área de Planejamento 5 (AP5), que reúne 21 bairros da Zona Oeste e está concedida à iniciativa privada.
? Hoje, as comunidades pacificadas são deficitárias para a Cedae. Se forem concedidas à iniciativa privada, os serviços vão melhorar. E o (o restante) do município fica ainda mais lucrativo, por isso não faz sentido conceder a capital ? disse uma fonte.
Aegea e EY (antiga Ersnt & Young) foram qualificadas para realizar os estudos, com prazo de 150 dias para entrega.
? O desafio de operar em comunidades é mais social do que ténico. E o investimento não é tão alto, mas tem lógica diferente de relacionamento com o cliente. O estudo deve mostrar viabilidade ? diz Hamilton Amadeo, presidente da Aegea, afirmando que áreas pouco atendidas e deficitárias podem se tornar rentáveis. ? Vamos apresentar propostas para dois dos sete blocos.
A Aegea, que administra a Prolagos, concessionária que atua na Região dos Lagos, tem em sua área comunidades como as do Morro da Cabocla e do Morro da Boa Vista, ambas em Arraial do Cabo.
? Talvez, valesse (para o governo) esperar um pouco para conceder as comunidades com UPPs já que há discussão mais abrangente em curso ? avalia Carlos, do Trata Brasil.
Da reunião realizada na tarde de ontem na sede do banco participaram Marilene Ramos, diretora da área de Energia, Gestão Ambiental, Sócio-Ambiental, Saneamento e Transporte do BNDES, Rodolfo Torres, Superintendente da mesma área, e outros técnicos. O governador em exercício Francisco Dornelles não esteve no encontro, tendo as negociações conduzidas por seu assessor especial Julio Bueno, Jorge Briard, presidente da Cedae, Leonardo Espíndola, secretário estadual da Casa Civil, e Marco Capute, secretário estadual de Desenvolvimento Econômico.
Procurados, o BNDES e o governo do estado não comentaram.