PHNOM PENH ? O governo do Camboja instituiu nesta semana uma lei que proíbe imediatamente a exportação de leite materno. Mesmo com a prática sendo controversa, muitas mães cambojanas vendiam seu próprio leite para uma companhia chamada Ambrosia Labs, criada há dois anos, que processava e exportava o líquido para o mercado americano, onde o produto era oferecido para mulheres que enfrentavam problemas para amamentar, informa a BBC.
Não está claro o motivo para o governo adotar tal decisão, mas recentemente o Camboja criou regras proibindo outras práticas controversas, como o tráfico de órgãos e a maternidade por substituição (barriga de aluguel). Segundo funcionários do governo, eles estavam investigando o leite materno como um ?produto de um órgão humano?.
Muitos países mantém bancos de leite, onde mulheres podem doar a produção em excesso de leite para outras mães. O leite materno também é vendido em sites na internet e grupos privados, e oferece uma oportunidade para empresas de nicho, apesar da proibição de alguns países. Para o Unicef, o leite materno não deve ser comercializado, e a prática no Camboja estava ?explorando mulheres pobres e vulneráveis para o propósito comercial?.
A Ambrosia Labs montou um escritório em Stung Meanchey, uma área próxima da capital Phnom Penh e conhecida pela pobreza. De acordo com a imprensa local, a empresa pagava US$ 0,50, cerca de R$ 1,50, por cada 28 mililitros de leite, que eram revendidos nos EUA por oito vezes esse valor. Segundo os críticos, a prática incentivava as mães a venderem o leite, em vez de amamentarem os filhos.
? As mulheres eram pagas por onça (unidade de medida), então existe uma pressão para que elas produzam e vendam o leite. Quando você introduz uma precificação, cria-se um incentivo ? disse a antropóloga Aunchalee Palmquist.
Além disso, a pesquisadora acredita que muitas mães não estavam bem informadas. Normalmente, as mulheres produzem apenas o leite para a nutrição dos filhos. As mães podiam estar achando que estavam vendendo o excesso, mas na verdade vendiam o leite necessário para seus bebês. Segundo o Unicef, a maioria dos recém-nascidos no Camboja se alimenta de leite materno, mas o percentual vem caindo nos últimos anos, e a desnutrição infantil ainda é um problema.
A alternativa para o leite materno é o leite em fórmula, mas ele é caro e, em áreas rurais, onde a maioria dos cambojanos vive, ter uma oferta constante de água potável para a mistura pode ser um problema.
RECOMENDAÇÃO DA OMS
A empresa se defende, dizendo que apenas comprava o leite de mães que já haviam amamentado os filhos por ao menos seis meses, o período mínimo recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), e limitava as mulheres a duas retiradas por dia. A OMS recomenda ainda que as crianças sejam amamentadas, junto com outros alimentos, até ao menos os dois anos de idade.
Segundo a Ambrosia, o comércio de leite materno estava ?empoderando? as mulheres, a ajudando financeiramente mais de 90 famílias. Em entrevista à AFP, Chea Sam, uma mãe que fornecia leite para exportação, lamentou a decisão do governo. Segundo ela, a venda do leite fornecia uma fonte estável de recursos que a permitia ficar em casa para cuidar do filho. Por dia, ela recebia até US$ 12, valor considerável no país.
? Nós lamentamos que esse mercado tenha sido banido. Ele ajudava muito a nos manter ? disse Chea.
Sem o comércio de leite, as mães terão que trabalhar em fábricas ou em outros empregos, que pagam menos e oferecem condições piores.
? Elas talvez tenham que trabalhar por longos períodos, e ficarão longe das crianças, então não poderão amamentar por muito tempo ? disse Annuska Derks, que pesquisa as necessidades das mulheres cambojanas.
Além disso, as mães que vendiam o leite viam a prática como uma ajuda a outras mães que não podem amamentar.
? É como se a outra criança fosse nossa também ? disse Khron Vanny, ao ?Phnom Penh Post?.