Cotidiano

Gloria Perez diz rir quando alguém chama suas tramas de inverossímeis

RIO – Depois de ambientar novelas no Marrocos, na Índia e na Turquia, Gloria Perez volta ao horário das 21h da Globo com uma história passada entre o Pará e o Rio de Janeiro. Uma das protagonistas de ?A força do querer?, que irá substituir ?A lei do amor?, em abril, é a sedutora Ritinha (Isis Valverde). A jovem vive na fictícia vila de Parazinho, acredita ser filha de um homem-boto, se sente uma sereia e chega a ganhar a vida participando de eventos e animando festas fantasiada, no início da trama. Para a autora, que recebeu O GLOBO em seu escritório, com vista para o mar de Copacabana, o que menos interessa é como seus personagens se vestem ou em qual parte do planeta estão:

? As pessoas têm sempre essa pergunta, mas a novela vai se passar onde se passam todas as outras: na paisagem humana. Quero contar história de gente. Em todas as minhas novelas sempre quis falar sobre a diversidade porque me incomoda a dificuldade que as pessoas têm de aceitar o diferente. Nessa brincadeira de perguntar onde será a novela há uma xenofobia por trás. Para mim, não existe cultura exótica, existe o diferente. São muitas maneiras de enxergar e viver o mundo ? defende Gloria, que escreve sozinha, sem o auxílio de colaboradores, e em pé, por conta dos problemas de coluna.

Os cenários naturais do Pará serão mostrados nos 13 primeiros capítulos da novela. Mais adiante, os personagens que vivem na vila de Parazinho irão se transferir para Niterói, mas trarão com eles a cultura do estado natal.

64808972_SC Rio de Janeiro RJ 09-02-2017 Entrevista com a autora de novelas Gloria Perez. Foto Guito.jpgDiscípula de Janete Clair (1925-1983), a autora de sucessos como ?Barriga de aluguel? (1990), ?O clone? (2001), ?Caminho das Índias? (2009), e ?Salve Jorge? (2012) divide opiniões. É apontada por muitos como criadora de tramas inverossímeis e delirantes.

? Eu tenho que rir, né? Dá vergonha alheia quando ouço isso. O que entra nesse pacote do delírio? Clonagem humana, imigração ilegal para os EUA, tráfico de mulheres?

A autora defende que essa visão não está na cabeça das pessoas que falam com ela nas ruas sobre suas criações:

? O povão fala que gosta das minhas novelas porque retrato a vida como ela é. Quando você pensa que teve uma ideia muito louca, a vida vem e te dá de mil.

Se há uma contribuição dela ao gênero, diz Gloria, é justamente a junção entre o jornalismo e a ficção. Conhecida por promover o chamado merchandising social em suas tramas, ela quer mostrar agora, na nova novela, como seus personagens vão atrás do que desejam.

? A vida é um grande embate entre os quereres das pessoas. Hoje, com as redes sociais, está tudo mais exacerbado. Todo mundo ganhou palco para expor suas vontades. E isso gera conflitos.

?Quando você pensa que teve uma ideia muito louca, a vida vem e te dá de mil?Com direção artística de Rogério Gomes, a trama vai discutir uma série de temas. Além da história mais inusitada da jovem que se vê como uma sereia, a autora vai abordar temas atuais como transexualidade, vício em jogo, ditadura do corpo perfeito, entre outros assuntos.

? Estou falando de tolerância, e a questão dos transexuais é um dos aspectos nos dias de hoje de que não se tem a compreensão. As pessoas têm um entendimento, certo ou errado, justo ou injusto, do que é um gay ou um travesti. Mas ainda confundem o que é um trans.

?A força do querer? vai mostrar a angústia de um transexual que nasce num corpo feminino, mas se reconhece como homem. A estreante em novelas Carol Duarte fará o papel.

? Vamos abordar como é nascer no corpo errado, como é se olhar no espelho e não se reconhecer. Mas a novela não vai contar isso através de um discurso ou levantando bandeira. O ponto de partida é essa angústia de uma pessoa que nem sabe o que tem, como é vivenciar essa incompatibilidade com o corpo. É um desespero muito grande. Conversei com várias pessoas nas redes sociais sobre se sentir diferente e não entender o que se é.

Ao longo da novela, a personagem passará pela transição de gênero. Além da transexualidade, a autora quer abordar a situação do travesti. O ator Silvero Pereira, que é fundador do coletivo As Travestidas e estrelou o espetáculo ?BR-Trans?, monólogo sobre o universo de travestis e transexuais, vai interpretar um nordestino que quer viver da sua arte como transformista no Rio.

MÚLTIPLOS PROTAGONISTAS

279170.jpgGloria diz que a novela terá um desenho bem fechado, com a história de duas famílias que se cruzam. O elenco de ?A força do querer? é composto de nomes como Rodrigo Lombardi, Lilia Cabral, Maria Fernanda Cândido, Dan Stulbach, Humberto Martins, Bruna Linzmeyer, Marco Pigossi e Fiuk.

? Todos os personagens terão momentos de protagonismo. Não terei apenas uma atriz principal ou um casal romântico. Quis construir uma novela diferente ? explica.

Os personagens femininos, especialmente os de Juliana Paes e Paolla Oliveira, prometem. A primeira interpreta uma mulher que se torna bandida por amor ao marido. O papel foi inspirado em Bibi Perigosa, que entrou para o crime após se casar com um traficante conhecido como Barão do Pó na Rocinha, no Rio. Durante a entrevista, Gloria mostra vários vídeos que gravou com a Bibi real, em seu escritório, durante seu processo de pesquisa.

? Bibi é a mulher que faz tudo pelo homem quando se apaixona.

Já a personagem de Paolla, Jeiza, é uma policial que trabalha no Batalhão de Ações com Cães, mas quer mesmo se tornar lutadora de MMA.

? Para mim, o grande barato de escrever novela é o diálogo com o público. Ao contar histórias, você não pode julgar ninguém.