SYDNEY ? A adoção de medidas para redução da poluição e evitar a sobrepesca não são mais suficientes para salvar os corais do mundo, alerta um estudo publicado na ?Nature? nesta sexta-feira sobre a Grande Barreira de Corais da Austrália. De acordo com os pesquisadores, o fenômeno de branqueamento, provocado pelo estresse do aumento das temperaturas, só pode ser contornado declarando guerra ao aquecimento global.
? Nós não temos ferramentas para proteger os corais do clima ? disse Terry Hughes, diretor do ARC Center of Excellence for Coral Reef Studies, baseado na Austrália, em entrevista à Associated Press. ? Isso é preocupante. Nós não podemos barrar o branqueamento agindo localmente. Nós realmente temos que fazer algo sobre as mudanças climáticas.
Em todo o mundo, recifes que ostentavam corais coloridos e um ecossistema vibrante estão se transformando em cemitérios brancos e desolados. A mortandade por causa do branqueamento de corais se tornou mais frequente com o aumento das temperaturas dos oceanos, provocado pela maior concentração de gases-estufa na atmosfera. A água quente estressa os corais, forçando-os a expelir as algas coloridas que vivem dentro deles. Com isso, eles ficam vulneráveis a doenças fatais. Com o tempo, os corais branqueados podem se recuperar se a água esfriar, mas se a temperatura se mantiver elevada por muito tempo, o coral morre.
E a preservação dos corais é crucial para a manutenção da vida marinha como a conhecemos. Conhecidos como florestas subaquáticas, eles produzem parte do oxigênio que respiramos e, apesar de ocuparem apenas uma fração dos oceanos, fornecem habitat para uma em cada quatro espécies marinhas. Os recifes também servem de proteção para zonas costeiras. Nos últimos anos, cientistas e governos trabalharam juntos para tentar salvar esses ecossistemas. No Havaí, por exemplo, no ano passado o governo limitou a pesca e estabeleceu novas áreas de proteção marinha, além de controlar a poluição. O objetivo era fornecer proteção para evitar que os corais sofressem com o branqueamento e permitir que eles se recuperassem.
INTERVENÇÕES LOCAIS SÃO INÓCUAS
Mas o estudo realizado na Austrália mostra que esses esforços são em vão. A Grande Barreira de Corais passou por três grandes eventos de braqueamento, sendo o pior no último ano. Com levantamentos aéreos e análises submarinas, os cientistas descobriram que a severidade do fenômeno está relacionado diretamente com a temperatura das águas. A região norte da Barreira experimentou as maiores temperaturas, e centenas de recifes sofreram branqueamento severo, não importando a boa qualidade da água e o banimento da pesca.
? É um chamado para acordarmos ? disse Hughes. ? Nós tínhamos a esperança de que intervenções locais na qualidade da água e na pesca poderiam aumentar a resistência dos corais ao branqueamento. Nós não encontramos evidências de que isso seja verdade, ao menos durante um evento muito severo.
Para Kim Coob, um cientista climático do Instituto de Tecnologia da Geórgia, em Atlanta, o estudo mostra que ideias vigentes há décadas nas políticas de gerenciamento e proteção de recifes são inócuas na luta contra o branqueamento provocado pelo aumento das temperaturas.
? Tudo parece tão estranho agora, realmente ? disse Cobb, que não participou do estudo. ? Um futuro que nós pensávamos que chegaria em décadas, está aqui.
A pesquisa também traça uma análise sobre a situação dos 2.300 quilômetros da Grande Barreira de Corais. 91% dos recifes sofreram o branqueamento em ao menos uma oportunidade nos três grandes eventos. E o mais alarmante, ressalta Hughes, é que um quarto grande evento já está acontecendo. Os corais precisam de anos para se recuperarem, então evento desse tipo em anos consecutivos aumentam a probabilidade de morte.
? Nenhum de nós esperava que a água fosse aquecer novamente agora ? disse Julia Baum, pesquisadora de corais da Universidade de Victoria, no Canadá. ? Eu acho que está além do que qualquer um de nós poderia imaginar. É o nosso pior pesadelo.
METADE DOS RECIFES DO MUNDO ESTÃO MORTOS
Segundo a cientista, o mundo já perdeu cerca de metade dos recifes de corais nos últimos 30 anos. Os esforços agora são para que ao menos uma fração desses ecossistemas sobrevivam para além das próximas três décadas. O planeta depende disso: os recifes de corais sustentam um quarto de todas as espécies marinhas, e fornecem alimento a meio bilhão de pessoas.
? Não é algo que vai acontecer daqui a cem anos. Nós os estamos perdendo agora ? disse Julia.
Mesmo que a Humanidade pudesse parar o aquecimento global imediatamente, os cientistas calculam que mais de 90% dos corais irão morrer até 2050. Sem intervenções drásticas, o risco é que todos desapareçam. Os holofotes estão sobre a Grande Barreira de Corais, mas recifes de todo o mundo estão sofrendo. Ao redor das Maldivas, no Oceano Índico, 73% dos corais sofreram com o branqueamento entre março e maio do ano passado.
Situação ainda pior foi relatada no Pacífico Central, onde Julia conduz pesquisas em Kiritibati: as temperaturas mais altas persistiram por 10 meses entre 2015 e 2016, provocando a morte de 90% dos corais.