RIO ? Dois anos depois de ?Praia do futuro?, de Karim Aïnouz, o cinema brasileiro está de volta à competição do Festival de Berlim com ?Joaquim?, drama histórico dirigido pelo pernambucano Marcelo Gomes. O novo filme do autor de ?Cinema, aspirinas e urubus? (2005) está entre os dez títulos anunciado nesta terça-feira (10) pela organização do evento alemão, como parte complementar da disputa pelo Urso de Ouro, cuja 67º edição acontece entre os dias 9 e 19 de fevereiro. Os concorrentes ao prêmio máximo incluem produções dos Estados Unidos, Polônia, Portugal, Reino Unido, Chile e Alemanha.
Este ano, o Brasil terá presença marcante na Berlinale, como a maratona é conhecida. O festival havia anunciado a participação de ?Vazante?, de Daniela Thomas, e ?Pendular?, de Julia Murat, na mostra Panorama, e ?As duas irenes?, de Fabio Meira, e ?Mulher do pai, de Cristiane Oliveira, na seção Geration, dedicada a filmes de temática jovem, além do curta ?Estás vendo coisas?, de Bárbara Wagner e Benjamin de Burca. Nesta terça-feira, o festival também anunciou o longa-metragem ?Rifle?, de Davi Pretto, ganhador dos prêmios de melhor roteiro e som no Festival de Brasília de 2016, como escalado para a mostra Forum. A vitória do país aconteceu em 2008, com ?Tropa de elite?, de José Padilha.
?Joaquim? é centrado na figura de Joaquim José da Silva Xavier (1746-1792), o soldado do Império que transformou no líder da Inconfidência Mineira. Mas Gomes foi no caminho oposto ao de realizadores brasileiros como Carmen Santos (?Inconfidência mineira?, de 1948), Joaquim Pedro de Andrade (?Os Inconfidentes?, de 1972), e Geraldo Vietri (?Tiradentes, o mártir da Independência?), que investiram no papel do rebelde mineiro. O filme imaginado pelo pernambucano é uma investigação sobre as circunstâncias em que ocorreu a tomada de consciência política do alferes, portanto antes da construção do mito Tiradentes.
? A ideia era retornar ao Brasil colonial e aos cruéis processos de colonização, para falar das fraturas sociais que se produziram no país, e que persistem até hoje. É um filme sobre o mento de conscientização política de um homem comum ? explica Gomes. ? Acho Berlim o festival ideal para a estreia de ?Joaquim? porque, para além de sua vocação política, é um evento aberto ao público. Fico feliz em exibir o filme lá porque ele trata de um tema pertinente neste momento, porque a Europa teve participação decisiva nesses processos de colonização, que se estenderam por toda a América Latina, África e Ásia.
?Joaquim? teve origem em um convite feito quase 10 anos atrás pela produtora espanhola Wanda Films, que desenvolvia uma série de filmes sobre heróis latino-americanos. Com a crise econômica de 2008, o projeto perdeu força entre os parceiros europeus, mas a ideia de fazer um longa-metragem a partir do personagem histórico permaneceu na cabeça do realizador.
? Eu estava tão empolgado com as minhas leituras sobre o processo colonial, livros de história, as biografias de Tiradentes, que continuei o projeto por conta própria, junto com o meu produtor. Estava cada vez mais encantado pela figura do Joaquim, o homem comum, e pelo contexto em que ele viveu ? recorda o diretor, que já esteve em Berlim em 2014 com ?O homem das multidões?, codirigido por Cao Guimarães, exibido na mostra Panorama. ? Eu me perguntava: ?O que motivou a transformação do Joaquim em Tiradentes?? Queria imaginar como aquele soldado da Coroa portuguesa tinha virado um revolucionário, um inimigo de Portugal.
Gomes resume o filme como ?uma ficção inspirada em fatos históricos?, que teve norte o livro ?Desclassificados do ouro: a pobreza mineira no século XVIII?, da pesquisadora Laura de Mello e Souza, que acabou se tornando consultora histórica da produção. ?Joaquim? é uma coprodução com Portugal (minoritária) e conta com atores brasileiros e portugueses, filhos de africanos que conhecem os dialetos da África.
? Fui arrebatado pelo trabalho que ela fez, porque fala muito daquele caldo social em que as Minas Gerais estava sendo construída na época ? observa o diretor. ? A partir do livro dela e das minhas pesquisas, construí uma ficção sobre as relações sociais em que o Joaquim viveu naquele Brasil colonial. Como ele conversava e se relacionava com as pessoas, como ele amava e vivia o cotidiano dele. Tento chegar a um personagem cheio de contradições, de desejos, de perguntas sobre o que ele tava sentindo e vivendo, e a partir daí falar do nascimento do Brasil que conhecemos, da nação que estava surgindo.
Joaquim é vivido pelo paulista Julio Machado, visto recentemente na novela ?Velho Chico?, da Rede Globo. O papel fora originalmente imaginado para o baiano João Miguel, com quem Gomes trabalhara em ?Cinema, aspirinas e urubus?, mas atrasos no cronograma da produção criaram conflitos com a agenda do ator. Produzido com recursos do BNDES, da Petrobrás e do Funcultura, o programa de fomento do audiovisual pernambucano, ?Joaquim? está orçado em R$ 2 milhões e foi rodado nos arredores de Diamantina e não em Ouro Preto ou Tiradentes, tradicionais cenários das cinebiografias do inconfidente.
? A região em torno de Diamantina tem pequeníssimos povoados abandonados pelo tempo. Precisávamos dessa arquitetura eterna ? explica Gomes, que deseja lançar o filme no Brasil em 21 de abril, Dia de Tiradentes . ? Aquela região tem a uma geografia dramática ideal para nosso filme, porque buscávamos uma paisagem que dessa da rudeza, da aspereza e das dificuldades do passado colonial. Diamantina tinha todos esses elementos. Tem lugares com de muitas pedras, é uma região de garimpo, tudo o que precisávamos para construir o nosso personagem, porque ele faz uma grande viagem dentro do filme.