Cotidiano

Ex-ministro mantém rotina dedicada aos cuidados da saúde da mulher

SÃO PAULO ? Ex-poderoso ministro da Fazenda do PT, a rotina atual do economista Guido Mantega está totalmente subordinada ao cotidiano de tratamento da mulher, a psicanalista Eliane Berger, com quem está casado há quase 20 anos e tem um filho, Marco, de 16. Recluso, ele mantém vínculo acadêmico com a Fundação Getúlio Vargas, mas não dá aulas nem se compromete com atividades que possam impedi-lo de acompanhar Eliane em consultas médicas, nas cirurgias e nas sessões de quimioterapia. Há cerca de dois meses, embarcou com a mulher para a Espanha, onde visitaram especialistas no tipo de câncer que a acomete, diagnosticado há cinco anos como um tumor no intestino. Os resultados dos contatos com os médicos espanhóis, no entanto, não foram bons. Eliane já passou por uma série de cirurgias e trocou as drogas da quimioterapia diversas vezes, mas nada impediu que ela chegasse a um estágio avançado da doença, com metástases pelo corpo. Na manhã desta quinta, ela se submetia a novo procedimento cirúrgico.

? Hoje, os poucos momentos felizes dele estão ligados a algum sinal de melhora de Eliane ? afirma um ex-assessor.

Entre 2011 e o início de 2015, Mantega foi um homem dividido. No primeiro ano de Dilma no poder, quando o economista ainda era tido como um gênio no mercado por ter feito o país passar sem solavancos pela crise internacional de 2008, o casal recebeu o diagnóstico. Naquele momento, ele cogitou deixar o ministério da Fazenda, mas foi dissuadido pela então presidente Dilma Rousseff e pelo ?amor? que tinha pelo projeto, como amigos descrevem sua relação com o governo.

Enquanto esteve no cargo, se impôs uma rotina que aplacasse sua ausência familiar: passava de segunda a quinta em Brasília e na sexta-feira viajava para São Paulo, onde invariavelmente passava o fim de semana ao lado da mulher, que não quis mudar para a capital federal. Contra a vontade de Mantega, a doença da mulher tornou-se assunto público e foi amplamente noticiado. Ao longo do primeiro governo Dilma, o fato chegou a ser usado no meio político como argumento para que ele se afastasse do cargo.

A IMPOPULARIDADE

Conforme a imagem pública de Mantega na condução da economia se degradava, a doença da mulher se agravava. Diante dos maus resultados da economia, ele se sentia obrigado a ficar. Na eleição de 2014, assumiu sozinho a responsabilidade sobre a crise. Em setembro daquele ano, em uma entrevista como candidata à reeleição a uma rádio, Dilma anunciou sua futura demissão, sem sequer combinar com o subordinado. Mantega ficou angustiado, não atendia aos telefonemas da presidente. Quatro dias depois da declaração, Dilma o chamou no Alvorada e o afagou com elogios pela ?competência?. Com a vaidade minimamente recomposta, Mantega caminhou ao lado de Dilma por mais três meses. Depois, ela enfrentaria a pior crise econômica recente do país que culminaria em um processo de impeachment enquanto ele mergulharia em um silencioso desaparecimento.

Mais longevo ministro da Fazenda em período democrático, Mantega é hoje pouco afeito à comunicação externa. Quase não sai de casa. Mesmo o tradicional almoço de domingo com sua nonagenária mãe acontece a intervalos espaçados. O amigo e economista Luiz Gonzaga Belluzo, com quem costumava ir a restaurantes às sextas-feiras, agora vê o amigo a cada bimestre. Livrarias e cinemas foram abolidos da rotina. Na FGV, onde atua como pesquisador, ele se mantém a portas fechadas em sua sala. Com o passar dos meses, seu nome, nunca antes relacionado a qualquer malfeito, passou a figurar em delações de acusados na Operação Lava-Jato. A mulher do marqueteiro João Santana, Monica Moura, afirmou que Mantega intermediava a relação do casal com empresários que pagariam ilegalmente as despesas de campanha do PT, como revelou O GLOBO em abril. O depoimento de Monica é agora corroborado pela denúncia do empresário Eike Batista. Em planilhas de proprina apreendidas pela força-tarefa de investigadores em empresas envolvidas no escândalo ele era supostamente identificado como pós-Itália, por ser filho de italianos.

Antes mesmo das denúncias de corrupção, Mantega já sofria com hostilidades públicas, que explicam em parte sua reclusão. Já foram três episódios, um deles no hospital Albert Einstein, onde hoje foi detido, quando acompanhava a mulher em uma sessão de quimioterapia. Em conversas privadas com amigos economistas, ele credita à Dilma a responsabilidade pela chamada ?contabilidade criativa?, adotada em seu ministério e que lhe impôs grande impopularidade. Irascível, teimosa e incapaz de reconhecer seus próprios erros, segundo ele, Dilma teria jogado em suas costas as responsabilidades por erros econômicos como o represamento do preço da gasolina, o aumento nos gastos públicos e a diminuição do preço da eletricidade.

? Em uma reunião em 2011, critiquei duramente uma ideia que eu sabia que era dela. A Dilma virou para Mantega e disparou: ?Eu não falei, Guido?? ? exemplifica um economista.

SUBMINISTRO

Mantega, porém, não fará tais críticas à ex-chefe publicamente. Não quer se converter em mais uma pedra sobre o telhado de vidro da agora ex-presidente.

? Ele (Mantega) era um subministro. Nunca foi o ministro da Fazenda. Esse papel era da Dilma. Mantega não tem culpa de nada e está tranquilo: as decisões foram dela. Todo mundo sabia o que se passava. É um excelente economista ? comenta o também ex-ministro da Fazenda, Delfim Netto, amigo pessoal de Mantega.

Ambos estiveram juntos recentemente em eventos organizados por Mantega na FGV e propositadamente não divulgado para não atrair imprensa.

? Ele estava absolutamente bem. Mas se falar de governo com ele, é possível que xingue sua mãe ? ri Delfim.

Segundo ex-colegas de ministério, pelo menos desde 2012 Mantega advogava por ajustes fiscais. Ao dizer coisas que Dilma não queria ouvir, deixou de ser o ministro mais poderoso do governo. Era voto vencido tanto pelo ex-secretário Arno Augustin como pelo então secretário-executivo da Fazenda e atual ministro Nelson Barbosa. Ambos tinham audiências diretas com a presidente, sem a presença de Mantega, o que lhe causava certo desconforto. Inveterado piadista, distribuía pastilhas para a garganta em reuniões tensas. Mas conforme o fim do primeiro mandato de Dilma se aproximava, Mantega adotou postura mais reservada. Em 2014, a presidente teria lhe dito que, se adotasse seu plano de austeridade, perderia a eleição. Economistas afirmam que as três primeiras medidas de ajuste do ex-ministro Joaquim Levy ?foram encontradas na antiga mesa de Mantega?.

Hoje, apelos patrióticos não o comovem mais. Mantega não cogita voltar a exercer cargos públicos. Sua decisão é, evidentemente, motivada pela delicada situação da mulher.

RELAÇÃO COM O PT

No PT, seu contato mais estreito é com Lula, de quem foi professor de economia e é amigo. Hoje, depois da atrapalhada detenção em meio ao procedimento cirúrgico da mulher no hospital, dirigentes petistas, inclusive Lula, se apressaram em denunciar a desumanidade da situação. Diante do constrangimento, o delegado Igor Romário de Paula, coordenador da Lava-Jato na Polícia Federal (PF), demonstrou preocupação em detalhar as circunstâncias da prisão e classificou a detenção do ex-ministro enquanto ele acompanha a esposa no hospital como uma ?infeliz coincidência?.

– Esse procedimento já estava em andamento há algum tempo, mas nós desconhecíamos totalmente a situação envolvendo a esposa dele [do ex-ministro] ? declarou o delegado.

Segundo Igor, Mantega teria afirmado aos policiais que se dirigiu ao Hospital Albert Einstein por volta das 4h30, e o monitoramento da residência do ex-ministro pela PF só ocorreu logo antes do cumprimento dos mandatos, por volta das 6 horas.

? Infelizmente, situações como esta são tristes quando acontecem, mas não há como não cumprir ordem judicial ? completou o procurador do MPF, Carlos Lima. A prisão foi revogada no fim da manhã pelo juiz Sérgio Moro.

Dono de uma pequena fortuna pessoal que lhe foi deixada pelo pai, um soldado do Exército italiano fascista que se tornou empresário de móveis no Brasil, Mantega não pensa em se aposentar. Quer escrever um livro sobre os quase nove anos em que esteve na Fazenda.

? Ele não pisa mais em Brasília. No trato com ele, Dilma não foi só pouco generosa. Ela lhe faltou com respeito ? conclui Delfim.

Colaborou Katna Baran, de Curitiba