Enquanto você lê estas linhas, alguém com certeza está postando em algum canto da internet milhares de caracteres a respeito de uma polêmica recente (ou permanente). Escrito enquanto o assunto está quente, o artigo será longo, opinativo e pessoal ? mas transferível, buscando a identificação e a empatia do leitor. Provavelmente digitado em horas vagas, será um conteúdo feito ?no amor?, sem esperar nada em troca ? a não ser, claro, comentários, curtidas e compartilhamentos. Se a obra viralizar, deve render uma réplica, uma tréplica e assim por diante. Até a próxima polêmica, que vai proporcionar um novo texto. Ou, para usar o termo mais do que consagrado, um textão.
Especialistas garantem, e basta dar uma passada d?olhos nas redes sociais para concordar: o Brasil virou o país do textão. Fosse um esporte olímpico, poderia ter garantido algumas medalhas extras para a delegação brasileira.
O formato se popularizou durante os protestos de 2013, ganhou peso político nas eleições presidenciais de 2014 e agora, com a combinação de Jogos Olímpicos, impeachment e eleições municipais, parece ter atingido o auge ? ou a saturação. Por via das dúvidas, quem escreve o seu põe uma advertência no início: ?Senta que lá vem textão.?
Já há inclusive memes populares pedindo sua extinção e ridicularizando sua suposta relevância. Como não podia deixar de ser, existem até textões contra os textões. Bia Granja, fundadora do site youPIX, que esta semana organizou o evento youPIX Con, teme que a liberdade de expressão possa estar nos deixando menos tolerantes.
? A internet nos deu voz, audiência, e agora tudo o que queremos é ter opinião formada sobre tudo e fazer um textão sobre isso. Uma coisa tremendamente incrível, não fosse um pequeno porém… Ao mesmo tempo em que exercitamos nossa livre opinião, ficamos cada vez menos tolerantes com a opinião alheia. Passamos o dia lendo posts que nos incomodam, e no fim da tarde nos vemos extremamente fatigados sem saber o motivo ? diz Bia.
Nem todo textão é sobre grandes temas, e nem é tão grande assim. Segundo quem entende de debates virtuais, o que acontece é que o clima geral de polarização política acaba abrindo espaço para discussões sobre gênero, racismo e pobreza, mas também sobre felicidade no trabalho, educação dos filhos, histórias de vida. Lado a lado (ou empilhados na mesma timeline), convivem o papo sério do tipo ?Precisamos falar sobre violência policial? e a crônica cotidiana no estilo ?O que aprendi após um ano lavando a louça em um albergue?. (Ambos são exemplos de textos hipotéticos, mas uma busca no Google certamente trará títulos bem próximos.)
E é curioso: tudo vem por escrito. Frase após frase, parágrafo após parágrafo, coisa que os profetas digitais diziam que seria impossível em 2016. Não era para todo mundo estar pondo foto no Instagram, subindo vídeo no YouTube, fazendo o que quer que os jovens façam no Snapchat?
Para Fabio Malini, professor do laboratório de cibercultura da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), o textão existe porque o debate via texto nunca morreu, só foi mudando de plataforma ? inclusive após a disseminação da internet. Pontuando pelas eleições presidenciais recentes: em 2002, as brigas eram em listas de e-mail; em 2006, no Orkut. Em 2014, chegaram ao Facebook, onde gatos e bebês cederam espaço para narrativas empoderadas. Observando este trajeto, Malini vê a continuidade de uma tradição universal e brasileira.
? A palavra escrita tem uma força, uma capacidade de reposicionar sentidos, que a imagem não tem. O ser humano tem uma necessidade de contar histórias. Tem gente que faz da sua vida uma narrativa, fala de si mesmo de uma maneira interessante, isso está inscrito na alma brasileira ? diz Malini. ? Tradicionalmente, o espaço para esse tipo de manifestação se dava na imprensa, nas crônicas. Hoje, há público para esse tipo de texto na internet, as pessoas usam seus perfis nas redes sociais como colunas de jornal.