RIO ? Para Vicente Bastos Ribeiro, a produção de uma boa cachaça começa no laboratório. E o dele fica dentro da fazenda de veraneio da família, a 140 quilômetros do Rio, em Nova Friburgo, onde só se chega de carro depois de encarar uma estrada de terra. É nesse lugar pacato que ele consegue criar o que deseja: uma fórmula de álcool concentrado que serve de base para suas bebidas. O processo ocorre dentro de uma salinha com tubos de ensaio, pipetas e computadores. Uma vez pronto, o líquido vai para as caldeiras e percorre todo um caminho que termina dentro de uma garrafa. A fazenda lembra uma fábrica de pequeno porte, com máquinas pesadas instaladas em armazéns. O pátio central tem aroma doce de álcool.
? Ninguém imagina que para fabricar cachaça eu vou ao laboratório. É meu jeito de produzir. Cachaça, para mim, é algo vivo ? afirma ele, à frente das cachaças Fazenda Soledade, explicando. ? É preciso ter em mente que um lote nunca é igual ao outro, por mais que passe pelo mesmo processo. Às vezes, a madeira onde a cachaça está repousando altera o gosto.
Apaixonado pelo trabalho, é ele quem guia os visitantes pela fazenda. Lá, as pessoas são levadas aos armazéns e recebem informações detalhadas de todo o processo de fabricação. Curiosamente, Vicente bebe uma cachacinha apenas por razões profissionais. Numa semana de criação, por exemplo, consome 100 ml enquanto desenvolve uma receita. Seu companheiro nos jantares é o vinho.
Exílio voluntário em Londres
Nascido em Campos dos Goytacazes, Vicente, atualmente, passa quatro dias da semana em Friburgo, tocando a produção, e os outros três em uma casa no Cosme Velho. Viajar a trabalho, para ele, nunca foi problema. Dos 64 anos de vida, boa parte passou no exterior. A primeira vez que deixou a casa da família, no Rio, tinha 19 anos. Recém-saído do ensino médio, fazia parte dos movimentos que lutavam pela democracia. Antes de entrar no radar da ditadura, fez as malas e desembarcou em Londres. Sem fluência no inglês, o primeiro ano na faculdade foi dedicado ao aprendizado da língua. Terminada a graduação, engatou um mestrado.
Com um currículo ?turbinado?, retornou ao Brasil em 1977, quando o país começava a ensaiar uma abertura política. Decidiu concorrer a uma vaga no governo e entrou para o time do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), onde fez parte da equipe que atuou na elaboração do primeiro Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), índice oficial da inflação.
Vicente saiu do Brasil novamente em 1983 para trabalhar nas Nações Unidas (ONU), como consultor econômico em Nova York. Em Manhattan, corria no Central Park pela manhã e curtias as noites em Downtown.
Pouco tempo antes da sua volta, o irmão mais velho de Vicente, Raimundo Bastos, começou a armazenar cachaça com a ideia de vender a bebida envelhecida. Era o empurrão que faltava para o economista elaborar o plano de uma linha de produção, de olho no mercado externo.
Mais de duas décadas depois, a família comanda uma empresa em expansão. Hoje, as cachaças Fazenda Soledade podem ser compradas em mercados e em casas especializadas na França e na Alemanha. A marca mais famosa é a Nega Fulô, que a família continua distribuindo, mesmo após vender os direitos para a multinacional Diageo. A fama no exterior ajudou a empresa a vencer, na categoria dos destilados, um dos principais prêmios do setor, o World Spirit Competition, na Califórnia, no início do ano.