RIO ? O Brasil desempenhou papel importante nas negociações da última Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, realizada em dezembro passado, que culminou na assinatura do Acordo Climático de Paris, mas não está fazendo o dever de casa. Dados divulgados nesta quarta-feira pelo Sistema de Estimativa de Emissão de Gases de Efeito Estufa (SEEG), do Observatório do Clima, mostram que as emissões brasileiras de carbono equivalente subiram 3,5% em 2015.
De acordo com o sistema, o Brasil emitiu 1,927 bilhão de toneladas brutas de CO2 equivalente (a soma de todos os gases de efeito estufa convertidos em dióxido de carbono) no ano passado, contra 1,861 bilhão de toneladas em 2014. O principal motivo foi o aumento no desmatamento, sobretudo na Amazônia. As emissões por mudança de uso da terra, que consideram todos os biomas brasileiros, cresceram 12%.
O cenário é ainda mais preocupante quando se considera a conjuntura econômica. Por conta da crise, que derrubou o Produto Interno Bruto em 3,8%, o setor de geração de energia ? segunda maior fonte de emissões da economia brasileira ? registrou queda de 5,3% nas emissões. Foi a primeira vez desde 2009 que as emissões do setor de energia caíram, mas em ritmo insuficiente para compensar o aumento provocado pelo desmatamento.
Nos demais setores ? processos industriais, agropecuária e resíduos ? as emissões de gases do efeito estufa não variaram significativamente em relação a 2014. Os dados do SEEG mostram que, no Brasil, diferentemente da maioria dos outros países, as emissões nem sempre respondem aos humores da economia. Em 2013, elas cresceram 8%, mesmo com a estagnação. Em 2014, caíram 4%, na esteira da queda de 18% do desmatamento na Amazônia ? mas com forte aumento no setor de energia, devido à seca que fez o governo acionar termelétricas fósseis, o que não compensou a subida do ano anterior. No ano passado, elas subiram em plena recessão.
? Nos países desenvolvidos e até mesmo em grandes países em desenvolvimento, como a China, nós começamos a ver um descolamento entre PIB e emissões: a economia cresce com emissões estáveis ou em queda. No Brasil isso não acontece. É preocupante, porque rumamos para 2020 com emissões em alta e não numa trajetória consistente de redução ? afirma André Ferretti, gerente de Conservação da Biodiversidade da Fundação Grupo Boticário e coordenador-geral do Observatório do Clima.
Desde 2005, quando o país começou a combater de forma mais efetiva o desmatamento na Amazônia, as emissões da agropecuária aumentaram 9%, as de energia aumentaram 45% e as de resíduos e processos industriais, cerca de 23%, que praticamente anularam as reduções no setor de uso da terra. O nível de emissões está no mesmo patamar de 2010, quando o Brasil começou a implementar as metas com as quais se comprometeu em Copenhague, de redução de 36% a 38% em relação à trajetória.
?É PRECISO REDUZIR DESMATAMENTO PELA METADE?
? Os dados mostram que o Brasil teve um período singular de queda de 2005 a 2010 e, desde então, estamos patinando, com emissões totais estabilizadas há seis anos e com forte aumento no setor de energia ? disse Tasso Azevedo, coordenador do SEEG. ? Hoje temos de reduzir o desmatamento pela metade para cumprir a meta de Copenhague, mas ele está aumentando em vez disso.
Para Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima, os dados mostram que o Brasil está longe de uma trajetória de redução de emissões compatível com seus compromissos no Acordo de Paris.
? O acordo do clima entra em vigor daqui a 11 dias. Tirá-lo do papel exige mudar drasticamente o rumo do nosso desenvolvimento, mas não é o que estamos vendo acontecer ? afirmou Rittl. ? As emissões de energia caíram, mas o risco de elas voltarem a subir rapidamente quando o país sair da recessão é enorme, dada a aposta nos combustíveis fósseis, que dominam os investimentos no setor ? com o Congresso ainda por cima embarcando no trem da alegria do carvão, como se quisesse que o país voltasse ao século 19.