PARATY ? Terceira mesa da Flip a esgotar, ?De Clarice a Ana C?, com o americano Benjamin Moser e Heloísa Buarque de Hollanda, fez valer a alta procura: o papo com o biógrafo da homenageada da edição de 2005 e com a amiga e editora do nome da Flip 2016 foi leve e divertido. Enquanto Heloísa foi ?muito responsável por ter colocado a Ana no mapa?, como frisou a mediadora Alice Sant?Anna, Moser redescobriu Clarice e, estudioso da obra dela há 12 anos, ajudou a espalhar sua palavra mundo afora (seus contos serão em breve publicados na Coreia do Sul e na Macedônia).
Durante toda a conversa, os dois convidados traçaram paralelos entre vida e obra das escritoras.
? Não conheço ninguém que não goste da Ana Cristina, é uma conversa muito íntima, ela chega muito perto, e você cai numa cilada. Essa intimidade é totalmente retórica, uma armadilha para o leitor, e todo mundo cai. Eu caí. Ana encenava o tempo todo. Acho isso mágico ? relembra Heloísa.
? Há aqueles que não conhecem a Clarice e há pessoas muito letradas, muito cultas, que não gostam dela. Tudo bem, o que não pode é forçar. Clarice tem que vir pelo coração, pelas entranhas, não dá para forçar pela cabeça ? contou Moser, que acabou de organizar ?Todos os contos?, de Clarice, pela Rocco, e se apaixonou por Clarice ao ler ?A hora da estrela?, quando mal tinha aprendido a falar português. ? Aquilo me tocou, senti uma coisa já na primeira página, mas eu não tinha ideia de que iria dedicar tantos anos da minha vida a essa pessoa.
“PRECISAMOS DE UM MOSER QUE BOTE A ANA C NO MUNDO”
Heloísa, que pediu desculpas por ?estar gagá? e recorreu à memória de Alice várias vezes durante a mesa, arrancando gargalhadas da plateia com seus chistes, lembrou de sua amizade com Ana C, morta em 1983.
? Eu fui uma espécie de madrasta da Ana. O que eu fiz com a Ana foi o contrário do que o Benjamin fez com a clarice, fiz livrinho em casa, costurado, mimeografado, fiz as capas? Eu coloquei a Ana num contexto político e cultural da época em que ela talvez nem coubesse tanto, mas ela se sintonizou muito com aquela geração. Agora a gente precisa arranjar um Moser que bote a Ana no Mundo. A Flip já está fazendo isso, mas precisamos de uma mão mais forte.
Os paralelos não pararam por aí. Ana C, que lia e mantinha edições rabiscadas e comentadas da obra de Clarice, teve muitos pontos em comum com Clarice.
? A literatura que realmente mexe com a gente é uma questão de vida e morte, não é uma coisa para ficar falando na Flip. Isso matou as duas, de certa forma, mas sem essa força, essa empolgação, esse desejo elas não teriam chegado onde chegaram ? comparou Moser. ? Clarice dizia que arte não é liberdade e libertação. Escrever fica mais obsessivo. Ela dizia: a vida está ótima, o que me atrapalha é escrever. No início a gente acha legal, interessante, mas vai ficando cada vez mais perigoso.
? Pra quem a Ana escrevia? Ela era uma menina estudiosa, ela estudava muito, lia os livros e rabiscava, perguntava. Ela escrevia para mobilizar alguém.
Já ?cansado? de escrever sobre Clarice depois de tantas pesquisas, Moser dividiu uma descoberta recente sobre seu maior ídolo e sua aversão ao silenciamento:
? Foi primeira vez que uma mulher escreveu sem parar ao longo da vida e não foi calada pelo matrimônio, pelos filhos, pela indiferença. Ela descreveu todas as fases da vida de uma mulher, desde criança até uma velhinha, ela descreve a sexualidade de uma velha, uma senhorinha de 81 anos que se masturba ? contou.
Ana C também era feminista:
? A literatura inteira da Ana Cristina, o tempo inteiro, pergunta ?o que é a mulher??. Ela era feminista ? garantiu Heloísa, que encerrou a apresentação mostrando cartas e fotos de Ana C, em que ela se travestia de seus personagens e fazia colagens, desenhos.? Essas cartas, que serão editadas em um livro, são literatura pura.