Cotidiano

?É algo que nos deixa perplexos?

RIO – Depois que a Fundação Oswaldo Cruz divulgou nesta quinta uma nota com críticas à decisão do presidente interino Michel Temer de fundir os ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovação e das Comunicações, o presidente da instituição, Paulo Gadelha, afirmou não ter medo de represálias pela posição em entrevista ao GLOBO. Confira os principais trechos da conversa:

O que motivou o Sr. e a Fiocruz a divulgarem o comunicado em que criticam a fusão entre o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e o Ministério das Comunicações?

A nota foi aprovada pelo Conselho Deliberativo da Fiocruz dada a relevância desta mudança. O MCTI é uma construção de décadas de trabalho da comunidade científica brasileira e fundamental para o desenvolvimento do país. Não é uma questão menor. O ministério configura toda uma visão para o futuro do Brasil e mostrou ao longo dos anos que pensar o processo de desenvolvimento científico e tecnológico não pode ser desassociado da chegada à população do conhecimento que é gerado por isso, entender a inovação como campo central para qualquer país afirmar seu desenvolvimento econômico e social.

Mas esta orientação política e institucional não pode ser mantida com outra estrutura e denominação burocrática?

A fusão é um ato de natureza política para agradar uma base de apoio, com uma visão de mudança normativa burocrática que não atentou para o que isso expressa para o país e a área. É uma decisão que produz retrocesso e demonstra um total desconhecimento do funcionamento do campo da ciência, tecnologia e inovação. Não há lógica nesta incorporação. O avanço das tecnologias de comunicação e informação é apenas um pedaço do esforço nacional de desenvolvimento e uma parcela como essa não pode ser a referência maior para todo este amplo campo. Isso sem contar que o Ministério das Comunicações tem atribuições de garantia de acesso e regulação que não têm nenhuma conexão com o campo da ciência e tecnologia em si. É algo que nos deixa perplexos.

Como a Fiocruz é uma autarquia federal, vinculada ao Ministério da Saúde, o Sr. não teme algum tipo de retaliação por causa destas críticas?

A Fiocruz não produz visões que não sejam integradas à sua maneira de pensar o país de forma mais ampla. Não estamos nos dirigindo a atores políticos ou um governo em particular, mas expressando nossa preocupação com um tema de interesse geral de toda a sociedade para que prospere o que é melhor para o país e a ciência e tecnologia em especial. A Fiocruz sempre atuou de forma responsável, fundamentada e propositiva com o objetivo de entregar para a população o que ela precisa. Por isso tudo, não imagino qualquer tipo de retaliação. Até porque como a ciência e o próprio país podem funcionar e avançar sem pensamento crítico? Além disso, não é à toa que outras instituições de alto nível da área, respeitadas, credenciadas e plurais, isto é, sem um viés político segmentado, como a Academia Brasileira de Ciência e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência estão juntas nesta demanda. A realidade social que vivemos coloca esta necessidade e faríamos isso qualquer que fosse a situação política ou governo que tivéssemos.

E quais serão as consequências desta decisão de fundir os dois ministérios?

Isso demonstra uma perda de potência de uma área fundamental para o país e é uma irracionalidade. A construção de um sistema de inovação e produção de conhecimento em geral e o vínculo disso com o desenvolvimento de novos produtos e serviços dever ser prioridade de qualquer Estado, governo e país. É um processo de intenso acúmulo. Novamente, foram décadas de trabalho que geraram esta conquista e que resultou em avanços imensos. Isso sem contar que o ministério não faz só a articulação interna da geração de conhecimento, mas também externa. A ciência hoje é globalizada e lidar com isso por meio de uma representação ministerial tem uma força bem diferenciada de uma secretaria. Exemplo disso é a recente crise do vírus zika e os estudos em torno dele, que trouxe a ciência e tecnologia para atuar de forma articulada com o campo da saúde com uma força bem maior. Assim, não é uma questão só de recorte burocrático, mas de refletir a prioridade e a representatividade da área por sua relação direta com a Presidência da República.