RIO – ?Eu sei o que você passou.? ?Não, você não sabe, você pode tentar imaginar.? (É a resposta que sempre ecoa em minha cabeça, mas nunca divido.)
Na época, na noite do dia 2 de janeiro de 2015, quando recebi o diagnóstico de leucemia, poucas opções existiam: sobreviver a um grave quadro de septicemia que me manteve em coma na UTI por 14 dias, ou fazer a passagem do mundo como o conhecemos. Algo quis que eu continuasse aqui.
Vencemos uma primeira batalha. Muito debilitado ainda, o passar dos dias não me deixava esquecer a grande batalha que eu travaria dali por diante.
Nunca realmente tive medo do que viria. Meu maior medo sempre foi ficar sozinho, exposto às dúvidas do continuar vivo ou não, do desconforto do dia a dia, das mudanças físicas, das mudanças do corpo como estamos acostumados a vê-lo normalmente. Sim, o câncer causa muitas mudanças, externas, e quando compreendido, internas. É a doença da solidão e da reflexão. Você morre, e em algum momento, você renasce, aqui ou em algum lugar que ainda não o conhecemos.
Poucos sabem, nem mesmo a minha mãe, mas numa noite, ainda no hospital, tive a certeza de que acordaria em outro lugar. Meu corpo aceitou sua condição, me senti preenchido por um sentimento de desapego, pronto sem saber para o quê. Não relutei, não combati, era uma sedução prazerosa, apenas pedi a Deus que não sofresse e que cuidasse daqueles que eu amava intensamente.
?Sr. Rodrigo, sr. Rodrigo, bom dia. Exames de rotina.?
Mais um dia, e aos poucos fui compreendendo o quão grande era o amor que eu estava recebendo dos meus amigos, daqueles que conheciam apenas o meu trabalho e principalmente da minha família. Jamais conseguirei imaginar a dor da minha mãe, sendo filho único, de me ver deitado numa cama entubado.
Esqueci de mencionar que esta também é uma doença da família, daqueles que estão próximos. Namorada, esposa, mãe, pai e todos aqueles que são do nosso convívio íntimo sofrem. Se antes não compreendia a razão de estar vivo, hoje sou grato por entender a importância da família. São eles que têm toda a capacidade de renovação, de filtrar a nossa dor, de repetidamente se doar o quanto podem e o quanto ainda não sabem que são capazes.
Estas breves palavras nunca foram escritas para narrarem a minha dor. O que passou, passou. É apenas a maneira mais humana que encontrei de agradecer a todos que fizeram parte desse percurso, e mostrar meu eterno sentimento pela essência que devemos sempre cuidar: a família.
Escrevo também para aqueles que possam estar passando por um processo semelhante ao meu, para que encontrem nas minhas palavras um acalanto para trilharem suas próprias batalhas, confiantes de que sempre haverá uma força maior, mas que a nossa força interna também é produtora de energia boa e positiva.
Quando colocamos em perspectiva o sofrimento, as angústias e os medos, entendemos o nosso tamanho. Entendemos que todas as transições são passageiras, e que existe finitude. Entendemos que amanha é sempre um novo dia, e apesar de parecer ser apenas a continuidade do anterior, um novo dia é exatamente aquele que pode nos trazer novos desejos, novas perspectivas.
Obrigado, Roxinho. Sinceramente, muito obrigado. Meu amor eterno àquela que me deu a vida duas vezes: minha mãe. Minha doadora de médula óssea.