Cotidiano

Danilo Timm, ator: 'É preciso pegar o que está no fundo da geladeira?

?Tenho 29 anos, sou de Brasília, trabalhei com teatro musical e como professor de canto. Estou há dois anos e meio em Berlim, trabalhando com comida e performances envolvendo gastronomia e música. Gosto de fazer coisas novas. Recentemente, comecei até a cortar cabelo.?

Conte algo que não sei.

Cozinhar não passa de uma alquimia. Trata-se, basicamente, de escolher o quão rapidamente você quer tirar a água de um alimento e misturar aos demais ingredientes. Infelizmente, muita gente não percebe isso e tem medo de cozinhar.

De onde vem esse medo?

Acho que é algo mais profundo. É o medo de fracassar, de se expor. Na verdade, é parecido com o canto. É muito comum um aluno meu chorar cantando durante uma aula, porque ele está se expondo. A comida é algo que você faz artesanalmente e dá para outra pessoa. E isso pode ter um gosto ruim.

Como surgiu a ideia de misturar comida, canto e teatro?

Pepe Dayaw, artista filipino que eu conheci em Berlim há um ano e meio, começou esse projeto um pouco antes, em Madri, para tentar entender a crise em diferentes constelações familiares. Ele fez jantares em 12 casas diferentes usando apenas coisas que já estavam lá. Ao final, ele gostou tanto que levou o projeto para vários lugares do mundo, fazendo até eventos. Eu, quando me juntei, levei o teatro. Então, fizemos experiências gastronômicas que, na maioria das vezes, são baseadas no improviso. Nós nunca sabemos o que vamos cozinhar.

O que as pessoas pensam quando ficam sabendo que vão comer pratos preparados com sobras de comida?

Na verdade, eu prefiro que elas só saibam depois de comer. Acho melhor quando as coisas não são tão óbvias. Quando se fala que a comida é sobra, a pessoa já tem suas concepções, que provavelmente serão diferentes do resultado final. É parecido com o teatro: um texto muito deglutido não é bom, prefiro deixar a experiência acontecer e, depois, explicá-la.

Curioso como você faz analogias entre a comida e outros campos, como teatro e música.

Sim, eu consigo relacionar isso com outras partes da minha vida. Por exemplo, estou me cobrando cada vez mais para lidar com meus leftovers (sobras) físicos e emocionais. Penso sempre que é preciso pegar o que está no fundo da minha geladeira, em todos os sentidos. Esse lugar é quase como um cemitério.

A relação de brasileiros e alemães com a comida é a mesma?

Existem diferenças. Uma amiga tem um restaurante e pega comida na Ceasa. Lá, a quantidade de legumes jogada fora por causa de formato é imensa. Quando o tomate não é redondinho, eles jogam no chão. E, no fim do dia, ficam vários legumes lá jogados, só porque não têm o formato certo. Na Alemanha, os lugares que jogam comida fora fazem o descarte em sacos pretos, para evitar a reação das pessoas. Por outro lado, aqui há pratos que são feitos, praticamente, de leftovers. O maior exemplo é a feijoada. Eu não consigo pensar num prato desse tipo na Alemanha.

O projeto mudou sua relação com a comida?

Eu sempre gostei de cozinhar, mas cozinhava sozinho e não deixava os outros se juntarem a mim, por insegurança. Não queria que as pessoas soubessem que, muitas vezes, eu não sei o que estou fazendo. Hoje, é o contrário. Faço questão que todos se juntem a mim e vejam que, muitas vezes, é um improviso mesmo. Até para desmistificar o processo.