Cotidiano

Daniel Machover, advogado israelense: 'É muito difícil quebrar o ciclo da injustiça'

“Sou israelense, especialista em direitos humanos internacionais, mas vivo em Londres há décadas. Sou um dos sócios do escritório Hickman & Rose Solicitors. Também sou co-fundador da ONG Advogados pelos Direitos Humanos da Palestina, que existe desde 1988. É minha primeira vez na América do Sul.”

Conte algo que não sei.

Sobre qualquer coisa no mundo?

Qualquer coisa.

Suponho que deva dizer algo profundo (risos). Bem, eu acho que os conflitos no Oriente Médio só serão resolvidos quando houver uma reforma completa no Conselho de Segurança da ONU. Os cinco membros permanentes do conselho consistentemente bloqueiam o jeito como a ONU deveria agir desde a Segunda Guerra Mundial.

O que mudar?

Enquanto não houver uma reforma, a crise no Oriente Médio vai continuar, e sabe Deus aonde vai parar. Os maiores exportadores de armas do planeta são justamente os cinco países membros do conselho. Todos têm os próprios interesses nos conflitos. É isso que precisa mudar.

Você nunca tinha vindo à América do Sul. O que está achando do Rio?

Uma cidade muito viva, plural, cheia de lindas paisagens. Poucas cidades têm essa capacidade de encantar pela natureza vibrante. Mas 10% de todos os homicídios no mundo são cometidos no Brasil, como isso é possível? E o Rio faz parte dessa estatística, é um contraste assustador.

Você é considerado um gigante por seus pares no campo das liberdades civis. No Rio as favelas sofrem há muito tempo com abusos de policiais. Como acabar com isso?

O mais importante é ter um órgão forte e independente que investigue as denúncias. Criamos na Inglaterra o Independent Police Complaints Comission (Comissão Independente de Reclamações sobre a Polícia, em tradução livre). É um grupo completamente independente com pessoas preparadas, capazes de coletar evidências e de investigar. Esse grupo ganha a confiança da população ao mostrar resultados. E passa a ideia ao policial de que, se ele cometer desvios, perderá o emprego. À população, a mensagem é algo como “estamos aqui para ajudá-lo”. É preciso que haja uma vontade política muito forte.

O processo que investiga a morte do menino Eduardo, de 10 anos, no Complexo do Alemão, foi arquivado há pouco tempo por falta de provas contra o policial que atirou. Como você vê este caso?

Conheço a história desse menino e me solidarizo com sua mãe. É muito difícil quebrar o ciclo da injustiça. Não quero parecer que tenho as respostas, acabo de chegar a um lugar novo, mas é preciso haver um esforço nacional que comece por questionar a necessidade de uma polícia militarizada. Quase 60 mil pessoas são assassinadas por ano no Brasil. E o trabalho militar tem como objetivo tirar vidas, é um tipo de política pensado para a guerra, não para cidades que querem paz.

Temos milhares de refugiados no Rio vivendo em condições miseráveis, especialmente os congoleses. Você tem acompanhado isso em outros lugares do mundo?

Não sabia que havia refugiados no Rio. É um problema global. Muitos países em crise estão enfrentando situação parecida. As pessoas estão fugindo desesperadas, sem ter para onde ir. A Grécia está sofrendo muito com isso, a Turquia também, pois recebem muitos refugiados sírios. Temos problemas parecidos na Europa, mas lá refugiados não vivem em condições como aqui.