Cotidiano

Contra a lei: Parte de aldeia indígena estaria sendo arrendada

Segundo denunciantes, espaços para indígenas são ocupados por arrendatários irregulares

Contra a lei: Parte de aldeia indígena estaria sendo arrendada

Quedas do Iguaçu – O arrendamento de terras indígenas é proibido por lei e vetado inclusive pela Constituição Federal de 1988, mas nem por isso é incomum, segundo o representante legal de mais de 300 famílias que tiveram suas propriedades demarcadas ainda na década de 1970 na região de Nova Laranjeiras, Leomar Cruz.

Ele revela que a prática, além de estar cada vez mais comum, tem crescido. Leomar afirma que tudo vem sendo documentado para endossar a denúncia já levada ao conhecimento do MPF (Ministério Público Federal) e à própria Funai (Fundação Nacional do Índio), a qual, segundo ele, já tem conhecimento inclusive de contratos feitos entre os indígenas e os arrendatários.

Até o momento, alerta o denunciante, já foram identificados cerca de mil alqueires arrendados, mas a área pode ser muito maior, envolvendo aldeias nos municípios de Nova Laranjeiras, Laranjeiras do Sul e Quedas do Iguaçu.

A maior concentração de espaço cultivado irregularmente está no aldeiamento em Quedas do Iguaçu. Segundo ele, levantamentos preliminares indicam a cessão irregular para pelo menos seis diferentes produtores somente naquele município, inclusive empresários locais, e que eles estariam focados na produção em escala comercial, indicando outros possíveis crimes, como derrubada de mata nativa, e ou degradação da condição de reserva, como sugerem as demarcações.

Leomar reforça ainda que as denúncias de produção irregular nas terras não param de chegar e que um levantamento minucioso vem sendo feito nos três municípios. “Já levamos isso ao conhecimento de muitos órgãos envolvidos. Quando o assunto são os indígenas, existem cerca de 20 órgãos envolvidos, mas não tivemos avanço em nenhum deles até o momento. Já denunciamos isso inclusive à Funai, mas até agora nada aconteceu”, lamenta.

Para o representante legal, a omissão preocupa os antigos donos das áreas desocupadas há mais de 40 anos mas que nunca receberam as indenizações.

Segundo ele, tiraram espaços produtivos de pequenos produtores rurais, os quais nunca receberam compensação, e hoje as áreas demarcadas estão sendo usadas ilegalmente para cultivo comercial, em conflito com a lei e com o conhecimento de órgãos que deveriam proteger e/ou zelar pelas condições legais.

Reintegração de posse

Além desse problema há outro ajuizado há décadas. Os antigos donos tentam reaver os mais de 19 mil hectares onde está localizado o aldeiamento Rio das Cobras, em Nova Laranjeiras, em um processo de reintegração de posse. “Minha família vivia ali em um pequeno sítio de 13 hectares, foi retirada e nunca recebeu pela área. Assim como a minha, existem mais de 300 outras famílias nessas mesmas condições. Eram todos pequenos produtores rurais, muitos que nem tinham para onde ir e agora a gente vê as terras sendo ‘alugadas’ para terceiros produzirem. Onde estão as autoridades e o direito de quem pertenciam as terras?”, questiona Leomar.

Tem mais

Outra denúncia feita por ele diz respeito à não ocupação de terras indígenas por um período igual ou superior a dez anos. Em situações como essas, o espaço deveria ser devolvido sumariamente à União. “Existe uma área nessas condições. Denunciamos à Funai, mas o órgão acabou por colocar uma família indígena ali apenas para que o local não retornasse à União. Isso também é ilegal”, reclama Leomar.

A CTL (Coordenadoria Territorial Local) da Funai em Guarapuava, que acompanha os assuntos relacionados às condições indígenas nos municípios citados, foi procurada, mas a informação repassada pela atendente é de que o coordenador, Urbano Guzzo, estava em reunião. A reportagem deixou contato para retorno, o que não ocorreu até o fechamento desta edição.

Propina para atuar como PSS

Outra denúncia envolvendo indígenas – e que também já seria do conhecimento das autoridades – diz respeito a uma suposta cobrança de propina de caciques nas aldeias de Nova Laranjeiras, Laranjeiras do Sul e Quedas do Iguaçu. A cobrança, que varia de R$ 1 mil a R$ 2 mil, funcionaria como uma espécie de passe-livre para profissionais aprovados em PSS (Processo Seletivo Simplificado). Somente com o pagamento desses valores os profissionais teriam aval do cacique para trabalhar na aldeia, Os contrários seriam “devolvidos” aos órgãos que realizaram o processo seletivo sob a alegação de que a comunidade indígena não os aceitou ali.

Uma das denunciantes é de Quedas do Iguaçu. Ela relata ter sido chamada pelo PSS ano passado, foi recrutada, mas para atuar em uma das aldeias lhe foi pedido R$ 1 mil. Como não aceitou, não pôde exercer suas funções. “Como esse PSS foi feito pelo Núcleo Regional de Educação, vamos pedir explicações ao Núcleo de Laranjeiras do Sul. Pelo que sabemos, são várias pessoas nessas mesmas condições”, completou Leomar Cruz.

A reportagem tentou contato com o NRE de Laranjeiras do Sul, mas as ligações nem mesmo foram atendidas.

Reportagem: Juliet Manfrin