Sem PM nas ruas, saqueadores invadem lojas no Espírito Santo
RIO – A onda de violência e as cenas de saques coletivos no Espírito Santo
representam apenas uma ponta da crise pela qual a sociedade atravessa. Segundo
um antropólogo e um psicanalista ouvidos pelo GLOBO, o impulso de cidadãos
comuns para o crime vai além do senso de oportunidade pela falta de policiamento
nas ruas. Está relacionado ao colapso das referências, dos valores da
população.
Para o psicanalista Luiz Fernando Gallego, da Sociedade Brasileira de
Psicanálise do Rio de Janeiro (SBPRJ), as recorrentes denúncias contra agentes
públicos mudam a forma como as pessoas lidam com as restrições sociais:
? Há pessoas que se limitam por questões morais. Há outras que só se pautam
pelos limites externos: a polícia, a lei, o limite de ser preso. E tem gente que
raciocina: acho que dá para fazer sem ser pego. Os valores sociais obrigam
aqueles que não aceitam a lei moral a aceitar a lei penal, mas quando a lei
penal falha…
O antropólogo Bernardo Conde, professor da PUC-Rio, explica que a sociedade
funciona como um acordo que todos cumprem para se sentir seguros. Porém, as
regras sociais são rompidas nos momentos de quebra desse acordo, como acontece
no Espírito Santo.
? O que encoraja as pessoas é a ideia de que elas não têm muito a perder.
Vivemos uma cultura da propriedade privada que se sustenta pela via moral ou da
força. Quando vemos figuras públicas burlando a lei, a dimensão moral começa a
despencar. As pessoas se sentem injustiçadas. O segundo elemento é a repressão.
Se há uma garantia de que não vão ser punidas, as pessoas deixam de se sentir
impedidas ? diz.
Conde lembra que há uma sensação de impotência crescente entre a população.
Já Gallego ressalta que a visão da psicanálise é reducionista para explicar uma
questão complexa. Há outros elementos para entender o comportamento diante dos
saques.
? As pessoas estão sem emprego, sem condições econômicas, vivendo uma crise
grave. Não é diferente de quando um caminhão tomba na estrada e as pessoas vão
lá pegar a carga. Em momentos de crise, a tendência de voltar a um estado mais
pré civilizatório é maior ? afirma.