RIO ? Um conflito de competência entre a Justiça Federal e a Justiça estadual do Rio de Janeiro deixou os credores da antiga Delta Construções, hoje Allianza Infraestruturas do Brasil, sem pagamento. Eles foram os mais prejudicados por uma sequência de decisões divergentes entre a juíza Maria da Penha Nobre Mauro, da 5ª Vara Empresarial do Rio, e o juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal. Enquanto Maria da Penha autorizou, no curso do processo de recuperação judicial da Delta, o desmembramento da parte saudável da empresa, vendida a um grupo espanhol, Bretas posteriormente mandou sequestrar os bens da nova empresa, a Allianza, alegando que foram constituídos no passado por meio ilícito. Com o sequestro, a juíza empresarial suspendeu em fevereiro o pagamento a todos os credores.
Executivos da Delta, entre os quais o ex-presidente da empresa Fernando Cavendish, são acusados de participar de um esquema que teria lavado R$ 370 milhões destinados ao pagamento de propinas para gestores públicos e financiamento de campanhas eleitorais. Para isso, a Delta simulou contratos com 18 empresas ligadas ao contraventor Carlinhos Cachoeira e ao empresário Adir Assad. Em junho do ano passado, o juiz Bretas determinou a prisão de Cavendish, Cachoeira e Assad. Na mesma decisão, determinou o bloqueio dos bens móveis e imóveis, incluindo o maquinário da empresa, por haver ?indícios suficientes da proveniência ilícita dos valores?.
Algumas das empresas ficavam em endereços onde funcionam consultório de dentista, loja de gesso e até um matagal na beira de uma estrada. Outros endereços não existiam.
A Delta, que já chegou a figurar entre as seis maiores empreiteiras do país, entrou em declínio depois que surgiram as primeiras notícias da ligação da empresa com Carlinhos Cachoeira, fato que provocou a criação de uma CPI na Câmara dos Deputados. O escândalo tornou a empreiteira de Cavendish inidônea nos governos estaduais onde atuava, entre os quais o do Rio de Janeiro na gestão de Sérgio Cabral. Na ocasião, o esquema acabou derrubando o senador Demóstenes Torres (DEM-GO), que tinha envolvimento com Cachoeira e foi cassado. A Delta não aguentou o baque e, em junho de 2012, entrou em recuperação judicial. Dois anos depois, diante da dificuldade de pagar os credores, teve autorizada a alienação de parte da empresa, transformada em unidade produtiva isolada.
Esta parte foi adquirida pelo grupo espanhol Essentium, que rebatizou a unidade de Allianza e herdou da Delta os equipamentos, projetos e contratos vigentes. Ao mesmo tempo, assumiu junto à 5ª Vara Empresarial o compromisso de honrar o pagamento a credores previsto no plano de recuperação judicial. Os novos donos, porém, foram surpreendidos pelo bloqueio dos bens determinado por Bretas e tiveram praticamente de paralisar a nova empresa.
RECURSOS NEGADOS
Na tentativa de mudar a decisão, tentaram recurso junto ao próprio Bretas. Mas o juiz negou ao alegar que a responsabilidade patrimonial pela prática de ilícitos penais permanece junto aos sucessores quando ?os bens, direitos e valores adquiridos não tiverem origem em regular atividade empresarial, mas sim em atividade ilícita praticada pela pessoa jurídica ou seus administradores?.
Em novo recurso no Tribunal Regional Federal (TRF), os novos gestores sustentam que compraram a empresa de boa fé, com o aval da juíza empresarial e a aprovação do negócio em assembleia de credores. ?Se tratou de um processo público de aquisição e transmissão de bens, transparente, conduzido e controlado pelo Pode Judiciário e pela auditoria Deloitte Touche Tohmatsu, tudo, repita-se, aprovado pelos inúmeros credores?.
A empresa alegou ainda que, além dos bens, o juiz bloqueou valores que a Allianza tinha a receber. ?Seus veículos vêm sendo sistematicamente impedidos de transitar nas vias públicas. Seus créditos vêm sendo bloqueados?, sustentam os advogados da empresa. Eles conseguiram, em fevereiro, que a juíza Maria da Penha, da 5ª Vara Empresarial, sustasse o pagamento dos credores diante da incapacidade de manter as operações.