ALEPPO ? O colecionador Mohammad Mohiedine Anis olha com pena seu carro modelo Buick Super 1955, destruído pelos intensos combates entre o Exército e os rebeldes sírios que devastaram a cidade síria de Aleppo durante os seis anos de guerra no país. Os blocos de pedra que caíram de um prédio, no bairro de Shaar, durante um bombardeio aéreo achataram o teto e afundaram o capô do veículo, deixando a grade do radiador com uma espécie de sorriso entristecido.
? Veja, está chorando. Ele está ferido e me pede ajuda ? conta o colecionador de 70 anos, que promete consertar o carro agora que as armas se calaram desde que o Exército sírio retomou, em dezembro, o controle da segunda cidade do país.
O bairro inteiro está em ruínas: os prédios esburacados ou desabados, janelas quebradas e as ruas tomada de poeira e escombros. Antes dos confrontos, Mohiedine chegou a ter 30 carros, mas perdeu dez, destruídos ou roubados durante a guerra. Treze ainda estão estacionados diante de sua casa, outros sete estavam na garagem, mas foram retirados pela polícia porque obstruíam a passagem.
O colecionador, que estudou medicina na Espanha e depois traduziu para o árabe o manual Fiat na Itália, voltou para sua cidade para abrir uma fábrica de cosméticos, em particular de batons, que batizou de ?Mila Robinson?. Mas sua verdadeira paixão é sua coleção de carros. Ele a herdou de seu pai, um rico colorista têxtil que dirigia um Pontiac 1950, carro que Mohiedine guarda com a maior estima.
Apesar dos cuidados que tinha, todos os carros foram desfigurados pelos confrontos na cidade e estão, hoje, em péssimo estado.
? Estão todos feridos ? lamenta sobre as situações dos automóveis, como se falasse sobre pessoas.
Ele quer reformá-los inclusive antes de sua casa.
? E tenho a intenção de comprar outros ? salienta.
Seu vizinho Nihad Sultan, um cantor de 30 anos, conta que, quando Mohiedine foi embora durante os últimos dois meses de combates, os moradores do bairro Shaar convenceram os rebeldes para que não instalassem uma metralhadora pesada antiaérea na caminhonete Chevrolet 1958 do colecionador.
Mohiedine voltou para a cidade depois da vitória das forças do regime e encontrou sua casa, construída nos anos 1930, destruída. A residência está um caos: vidros quebrados, pedras por todo lado, cômodos destruídos e tudo tomado por escombros. De vez em quando ele se senta em seu quarto, como costumava fazer antes da guerra. Acende seu cachimbo e ouve na vitrola Victor a canção Hekaya (História, em árabe), do cantor sírio Mohammad Dia al Din.
? Gosto dessa música porque vive em mim. Meu passado foi muito feliz, mas as coisas mudaram. Agora está muito duro. Mas não podemos desanimar ? acrescenta.
Alguns estrangeiros se ofereceram para comprar seus carros, inclusive em mau estado. Mohiedine recusa de cara.
? São meus filhos para mim. Eu os distribuirei segundo a lei religiosa: dois para cada filho e um para cada filha ? conclui.