RIO – Com quase 4.200 casos suspeitos já notificados em todo o estado, a febre
chicungunha
tem efeitos a médio e longo prazo que vão além das terríveis dores da fase
aguda. Segundo o presidente da Sociedade de Reumatologia do Rio de Janeiro, José
Fernando Verztman,
somente no Hospital dos Servidores, nos últimos três meses já foram atendidas
100 pessoas que tiveram a doença e ainda se queixam das sequelas: fortes dores
articulações. São pacientes que, apesar de terem sido medicados corretamente,
sofreram uma recaída ou relatam nunca terem conseguido se livrar da dor. De
acordo Verztman,
mais de 50% dos pacientes de primeiro atendimento que chegam à unidade com dores
articulares, têm suspeita de chicungunha. Zika – 16/06
No consultório de Verztman, os
casos também são uma amostra da extensão do problema: em 3 meses, já foram 80
casos suspeitos (35 confirmados por exame) de homens e mulheres que foram
tratados e, mesmo após a fase aguda, continuaram com dores nas mãos, nos pés e
até na coluna cervical. Muitos ficaram impossibilitados de trabalhar.
De acordo com a Secretaria estadual de Saúde, no Rio de Janeiro já foram
notificados 4.177 casos suspeitos até 30 de maio, dos quais 2.276 foram
confirmados. Duas pessoas morreram até agora.
? São pacientes que já foram atendidos nos postos e pronto atendimentos na
fase aguda da doença, que dura cerca de 10 dias e vem acompanhada de febre acima
de 38,5 graus, dores nas articulações e, às vezes, inchaço. Agora estes
pacientes estão enfrentando uma outra fase: quando o paciente continuar a sentir
muitas dores, que podem durar mais de um mês e, em alguns casos mais graves,
dois anos. No meu consultório, já atendi pacientes que estão há três meses com
dores. Estamos observando, durante este período em que estamos aprendendo com a
doença, que a chicungunha
pode ser gatilho para doenças reumáticas inflamatórias crônicas, como a artrite
reumatóide,
principalmente em pacientes com mais de 60 anos e que já tenham predisposição
genética ? diz o especialista, que é chefe do setor de reumatologia do Hospital
dos Servidores.
Sueli Nascimento, de 58 anos, moradora do Leme, teve chicungunha em março e conta que peregrinou por
vários consultórios até descobrir que as dores que teimavam em deixá-la de cama
era, na verdade, um rastro da doença. Desde 17 de maio está em tratamento com
reumatologista.
? Eu faltava toda hora ao trabalho. Parecia que eu tinha chumbo nas pernas,
uma dor intensa, dificuldade de andar. Eu demorei a descobrir que era por causa
da chicungunha.
Agora estou em tratamento e minha vida está voltando ao normal ? conta ela,
acrescentando que a irmã e o pai, moradores da Belford Roxo, também tiveram a
doença.
Na avaliação de especialistas, passada a fase de epidemia, os profissionais
de saúde agora precisam se preparar para atender as sequelas da doença: fortes
dores nas articulações que podem ir e voltar, incapacitando a pessoa para o
trabalho.
? Em reuniões, membros da Sociedade Brasileira de Reumatologia e da Sociedade
de Reumatologia do Rio de Janeiro vem definindo um protocolo de atendimento da
doença na parte reumatológica. É tudo muito novo, estamos começando a tratar
casos crônicos com medicamentos anti-reumáticos. Quando começaram a surgir os casos
no Brasil, recorremos à literatura médica internacional, agora estamos fazendo o
nosso protocolo e nossos estudos a partir do que estamos vendo nos atendimentos
? explica Verztman.
Carlos Brito, professor da Universidade Federal de Pernambuco e membro do
comitê técnico do Ministério da Saúde para arboviroses (vírus transmitidos por
artrópodes, como é o caso de mosquitos), alerta para o grande poder de ataque da
doença.
? É a pior das arboviroses. É uma doença persistente e intermitente, que o
paciente pensa estar curado e bem e, logo depois, a dor volta com a mesma
intensidade. Uma dor resistente a analgésicos e uma doença que eu acredito estar
relacionada a muitos óbitos aqui em Pernambuco, já que nem sempre os doentes
fazem a sorologia ? disse.
Segundo Carlos Brito, a estimativa é que, numa epidemia de chicungunha, existe uma probabilidade de 30 a 50%
da população adoecer.
? Na dengue, por exemplo, esta faixa de atingidos, não passa de 5%. Além
disso, 90 a 95% das pessoas atingidas pelo vírus da chicungunha adoecem, enquanto na dengue temos um
grande grupo de assintomáticos: cerca de 30% da população picada pelo mosquito
tem dengue ? compara.
Ele diz que o grande desafio é treinar e preparar os médicos para atender
todos estes pacientes. Brito afirma que a dispersão da febre chicungunha pelo Nordeste tem deixado um rastro de
adultos e idosos com dores crônicas graves que vem sobrecarregando os serviços
de saúde, que já enfrentam dificuldade de atender a demanda normal.
? No caso do Rio, por exemplo, se formos pensar nas estatísticas, podemos
dizer que, numa epidemia, cerca de 2 milhões de pessoas poderiam adoecer. Isso
não tem precedente. Como não teríamos reumatologista para tratar todo mundo,
criamos um protocolo de atendimento, com indicação do tipo de medicamento e da
dosagem a ser ministrada em cada fase da doença, para médicos de várias
especialidades sejam preparados em todo o país para atender estes pacientes ?
diz Carlos Brito, que colaborou na criação de um protocolo de tratamento da
febre chicungunha,
documento deve ser lançado em breve pelo Ministério da Saúde.
Para o tratamento da doença, ressalta Brito, é preciso ter o diagnóstico
correto. Na fase inicial da doença, são indicados apenas analgésicos (pode ser
usados os tipos mais opióides). Se
as dores persistirem de um a três meses, o médico pode receitar antiinflamatórios.
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