O Supremo Tribunal Federal entende que ?as expressões ?guerra?, ?comoção interna? e ?calamidade pública? são conceitos que representam realidades ou situações fáticas de extrema gravidade e de consequências imprevisíveis para a ordem pública e a paz social, e que dessa forma requerem, com a devida urgência, a adoção de medidas singulares e extraordinárias?. O estado de calamidade pública é definido pelo Decreto 7.257/2010 como uma ?situação anormal, provocada por desastres, causando danos e prejuízos que impliquem o comprometimento substancial da capacidade de resposta do poder público do ente atingido.?
Não faz muito tempo, tsunamis no Oceano Pacifico e furacões no Golfo do México arrasaram cidades costeiras do Japão e dos Estados Unidos e, no Brasil, uma chuva torrencial deixou cerca de mil mortos, cem desaparecidos e milhares de desabrigados na Região Serrana do Rio de Janeiro. Os governos locais recorreram ao estado de calamidade justamente para combater consequências de extrema gravidade e imprevisíveis em termos de vidas humanas e de meio ambiente.
Entre as medidas previstas na legislação brasileira em tal situação, temos as linhas de crédito extraordinário, empréstimos compulsórios e a dispensa de licitação na contratação de serviços e de bens. Cinco anos após a tragédia serrana, dos R$ 550 milhões repassados pelo governo federal muito se perdeu em corrupção, desvios, superfaturamentos. O Ministério Público ajuizou varias ações de improbidade, e o Tribunal de Contas da União descobriu até mesmo a construção de uma ponte em local onde já havia outra recém-concluída. Se, em condições normais, já é difícil monitorar a destinação de recursos públicos, imagine-se durante regimes emergenciais de exceção, como durante estado de calamidade.
Agora, o Rio de Janeiro volta a decretá-lo, tendo por origem uma farsa política ? o que não deixa de ser um desastre ?, cujo efeito mais imediato, mas não o único, é a obtenção de recursos públicos a fundo perdido ? o que não deixa de ser uma tragédia de longo prazo. A União passa às mãos do Rio uma tocha de R$ 2,9 bilhões sob o pretexto de estar assegurando saúde e segurança para o povo de um estado cujas consequências da crise financeira são até mais brandas do que as experimentadas em outros estados. Se não é o Maranhão ou o Piauí que sediarão as Olimpíadas, azar o deles.
Independentemente de quem venha a suceder a Paes e também da duração da interinidade de Dornelles e de Temer, os dividendos da populista iniciativa serão literalmente retratados na figura desses dignatários sentados na tribuna de honra no dia da abertura dos Jogos, sem o enquadramento dos prejuízos econômicos decorrentes da decretação, que só serão revelados quando já não mais estiverem ocupando seus palácios. Sorte a deles.
O encontro dos três em um jantar no Palácio do Jaburu para instituir o estado de calamidade pode ser equiparado a um choque de placas tectônicas ou à formação de uma tempestade perfeita. Como terremotos nem sempre causam danos em seu epicentro, e como o olho de um furacão é um oásis suspenso de brisa e céu claro, na segurança de Brasília ele se reuniram para gerar e propagar ondas de destruição de alto impacto nas finanças públicas, em um ato de calamitoso oportunismo político.
Helio Saboya Filho é advogado